A pandemia provocada pelo coronavírus que fechou os bares e restaurantes da cidade já fez a primeira vítima. Antes mesmo de ser levantado o cerco para que o setor volte a funcionar, uma coisa é certa: Piantella, o mais antigo templo gastronômico da capital, permanecerá fechado a menos que alguém se habilite a adquiri-lo informado por uma faixa de pano, onde se lê “Passo ponto” e o número do telefone. A faixa bem abaixo do letreiro cobre uma pequena parte da fachada feita de placas, que foi inaugurada pelo próprio autor Athos Bulcão, em uma de suas últimas aparições públicas e muito antes da venda do Piantella para os atuais donos, empresários do Rio de Janeiro.
Foi há quatro anos que o empresário carioca Omar Peres, conhecido como Catito, comprou do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido por Kakay, o restaurante instalado na 202 Sul, depois de ter pertencido a Marco Aurélio Costa, seu fundador. Na ocasião, Catito proclamou “não compro restaurantes, compro ícones”. O empresário, nascido em Minas, mas carioca de coração, se referia a outros ícones que havia adquirido no Rio, como La Fiorentina, no Leme; Bar da Lagoa, na lagoa Rodrigo de Freitas e, por último, Hippopotamus, em Ipanema, em parceira (logo desfeita) com Ricardo Amaral.
Catito relançou o Piantella em grande estilo e colocou na parede coleção de fotos feitas por Orlando Brito de políticos e personalidades que sempre frequentaram a casa, então comandada por dois irmãos de Catito: Roberto e Jacqueline Peres. Há pouco mais de um ano, o empresário passou o controle do estabelecimento — que já havia perdido o icônico bar e teve de se encolher em duas lojas –, para Roberto, enquanto Jacque voltou para o Rio. No interior, nada mudou: a mesma equipe antiga e o cardápio com as mesmas atrações que fizeram da casa, uma boa opção gourmet. Tournedor, paillard, lagosta (na época de pesca), rã à provençal e deliciosos filés, como à moscovita servidos com uma generosa colherada de caviar.
Aviso fúnebre
Numa mensagem nada séria, Roberto Peres enviou whatsapp “Aviso Fúnebre”, no qual lamenta informar que “após
35 anos de vida e ficar internado na UTI do Santander por 45 dias o Piantella veio a falecer com diagnóstico de Covid 19!! Velório e venda dos móveis e utensílios será feito pela internet”.
Na verdade, foram mais de 35 anos. No mesmo endereço, no meio da 202 Sul, surgiu na década de 1970 o Pafa´s, fundado pela familia Lacombe, que funcionou como elegante restaurante decorado nas cores preta e branca até que mudou de mãos. Comprado pelos empresários mineiros Antonio Bessa Costa e o irmão Marco Aurélio Costa, além de Roberto Levy – todos vindos do Gaf – o restô se tornou Tarantella e ainda contou com o sócio carioca Luis Fantinatti, ex-barman do Relais, do Rio de Janeiro. A casa foi um sucesso e ficava aberta até às 6h da manhã, reunia politicos, jornalistas,empresários todo o grand monde da capital na época. Só tinha um problema: não conseguia registrar o nome porque já havia outro semelhante no Rio.
“No dia 15 de março de 1985, que seria a posse de Tancredo Neves e acabou sendo a de José Sarney, veio um oficial de justiça que tirou a placa da porta”, lembra Marco Aurélio. O que pouca gente sabe é que foi o embaixador da Itália na época, Vieri Traxler, quem sugeriu para Marco Aurélio Costa, naquela altura, único dono, o nome Piantella, que ficou até hoje. A preferência foi mantida especialmente entre os políticos de oposição. A Arena continuou se encontrando no Gaf e a turma de Ulysses Guimarães fez do Piantella a sua segunda casa. Almoçavam e jantavam lá todos os dias, depois das longas refeições, bebiam como digestivo um aguardente francês feito de pera, que deu ao grupo o nome de “Turma do Poire”, dela os mais assíduos, além do líder Ulysses, Tancredo Neves, Renato Archer, Marcos Freire, Pedro Simon, Pacheco Chaves e outros. Bons tempos!
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