Para o folclorista Câmara Cascudo, ela é “a rainha do Brasil”. Estava se referindo à mandioca, com a qual o índio fez o tucupi, o polvilho, a farinha de tapioca e, das suas folhas, a maniçoba. Mas é o tucupi, o ingrediente mais cobiçado por nove entre 10 chefs de cozinha que contemplam a culinária brasileira. É feito a partir da fermentação do caldo extraído da
mandioca brava amarela e consiste no tempero mais emblemático da gastronomia amazônica,
que pode ser utilizado em qualquer receita e até mesmo armazenado sem precisar de refrigeração, mantendo todas as suas propriedades sensoriais e segurança alimentar.
Quem conseguiu essa façanha foi a startup paraense Manioca, criada em 2014, que depois de anos de pesquisa, sem adição de nenhum aditivo ou conservante, apenas o desenvolvimento de um processo tecnológico específico, embalou o precioso líquido da floresta para uso funcional. O reconhecimento veio de fora, justamente da pátria-mãe da alta gastronomia. Num evento realizado em Lyon, na França, no fim de setembro, o produto ganhou um prêmio de inovação em alimentos.
Coube a Joanna Martins, diretora da indústria de alimentos naturais da Amazônia, defender as cores do tucupi amarelo engarrafado, que ganhou o Sirha Inovations Awards 2021. Além do tucupi, o portfólio da Manioca reúne outros temperos, molhos, farinhas e geleias todos produtos à base de ingredientes da floresta. Joanna é filha de Paulo Martins, que foi o embaixador informal da culinária paraense e idealizador do evento culinário Ver-o-Peso,
que já não se realiza mais em Belém.
Comida da floresta
Manaus passou a ser a capital para a promoção do sabor da Amazônia. “Depois de três edições voltadas para chefs convidados de outras partes do Brasil e também de renome internacional, sem que necessariamente tivessem foco na cozinha amazonense, a quarta edição da Feira Internacional da Gastronomia Amazônia – FIGA se volta para a cozinha de raiz dos estados contemplados pela gigante Amazônia”, pontuou Denise Araújo, curadora do evento, realizado em outubro. Foi ela quem garimpou, entre outros nomes da região, o do chef colombiano Eduardo Martinez, um agrônomo que se tornou cozinheiro.
Para ele, “cozinhar é uma forma de cultivar a floresta”, afirmou o chef em sua palestra. Quando deixou de se interessar pelo mundo da soja, do milho, da palma africana (dendê que produz azeite), Martinez encontrou na cozinha a resposta à pergunta de como transformar a grande biodiversidade em uma oportunidade econômica para as comunidades locais.
Atualmente, ele toca alguns projetos, além de seu restaurante Mini-Mal, em Bogotá, que pratica a cozinha colombiana contemporânea. Na região de Letícia, próxima à fronteira
brasileira na cidade de Tabatinga, mantém a empresa Selva Nevada de fabricação de sorvetes
de frutas amazônicas cultivadas em 11 comunidades, onde 500 famílias processam açaí, camu
camu, cupuaçu, araçá e outras.
Sabor umami
Sobre o tucupi negro, o chef colombiano contou que provou a primeira vez há 16 anos e até hoje o impressiona “a complexidade do sabor e o nível de umami tão poderoso e profundo a partir de um ingrediente vegetal, como a raíz de mandioca, cujo estado natural é quase neutro e ainda mais vindo de uma planta venenosa”.
Em Brasília, quem mais entende de tucupi é o chef-restaurateur Francisco Ansiliero, profundo conhecer dos sabores da Região Norte, desde que morou em Rondônia, há mais de 30 anos antes de vir para a capital. Para o festival Gosto da Amazônia, realizado em outubro, Francisco desenvolveu um prato com filé de pirarucu grelhado, molho de arubé (redução do tucupi), castanha-do-brasil e farofinha de jambu com banana da terra que, diante da demanda, permanece no cardápio.
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