AREsp 2.389.611: Reflexões sobre os limites do Direito Penal

Publicado em Direito Penal

Por Luma de Paula e Paulo Romero

No dia 12 de março, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao AREsp 2.389.611 por maioria, mantendo decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que absolveu do delito de estupro de vulnerável um homem que, aos 20 anos, engravidou uma menina de 12 anos.

A absolvição foi fundada no erro de proibição – quando o agente não tem conhecimento da ilicitude do fato – e o STJ entendeu que desconstituir essa conclusão demandaria reanálise de fatos e provas, medida vedada em sede de recurso especial, razão pela qual a decisão foi mantida.

É importante destacar que essa decisão se deu de maneira absolutamente excepcional, uma vez que de acordo com o próprio tribunal, em sua Súmula n. 593, basta a prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos, independente de consentimento da vítima, para que se configure o crime de estupro, pois nessa hipótese a presunção de violência é absoluta.

É o que se chama distinguishing, quando determinado precedente vinculante deixa de ser aplicado por se reconhecer que o a situação sob análise não se enquadra nos parâmetros do precedente.
O caráter excepcional foi ilustrado pelo relator do caso, o ministro Reynaldo da Fonseca, que demonstrou que dos 1943 acórdãos da 5ª Turma de casos de estupro de vulnerável, apenas em 16 deles houve distinguishing, o que corresponde a 0,82% dos casos.

Durante o julgamento a Ministra Daniela Teixeira abriu divergência por entender que o marco etário de 14 anos é absoluto e não há espaço para se transigir com o definido em lei.
Já o relator entende que não há razão para se condenar uma pessoa que não oferece risco nenhum à vítima ou à sociedade, e ainda causaria mais prejuízo às partes envolvidas.
Não há como negar, a divergência suscita reflexão. No caso em questão, as partes mantiveram união estável por 3 anos, tiveram um filho juntos e se separaram, atualmente o pai dá suporte à criança e à mãe.

Mesmo que se afaste o erro de proibição e se considere a consciência da ilicitude da conduta pelo agente – o que parece o mais plausível diante dos fatos – a controvérsia coloque em xeque uma das grandes questões do Direito Penal: a finalidade da pena.

Há um enquadramento fático à hipótese normativa penalizante? Sim, sem dúvidas, um homem maior de idade manteve relação sexual com uma menina menor de 14 anos.
Mas qual seria o ganho prático para a sociedade e, principalmente, para a filha isolar o pai do convívio social e familiar por no mínimo 8 anos?

Portanto, de um lado há um standard de civilidade erigido da vontade do povo que determina o fato como crime e que ele deve ser apenado, pois presume-se de sua conduta a violência.
De outro, tem se uma pena que, ao ser aplicada, corrói completamente o dever que não só a sociedade em geral possui, mas o poder público também, de assegurar com absoluta prioridade à convivência familiar da criança, que, contrariando os inconformados, de fato existe no cenário sob judice.

Enfim, essa é uma das situações em que a dúvida aparenta mais cômoda do que a solução, e seja lá qual for o resultado, esse nos faz lembrar que o direito é como um pequeno cobertor, ao cobrirmos o nosso pescoço, deixamos os pés de fora.

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