Paulo José Cunha, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB) Arquivo pessoal

“Telegram se serve da promessa de acesso irrestrito e impune a conteúdos”, avalia professor de comunicação da UnB

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À queima-roupa

 

Paulo José Cunha, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB)

 

POR JÉSSICA EUFRÁSIO

Por que o Telegram, especificamente, entrou na mira da Justiça brasileira?
Porque é um aplicativo que não se submete a qualquer tipo de controle. Justamente por isso é usado para todo tipo de contravenção, desde a divulgação de pornografia, inclusive infantil, com livre circulação de conteúdo de pedofilia, passando pelo tráfico de drogas e de armas, bem como da ampla difusão de fake news. O problema é que essa plataforma não tem representação formal no Brasil e, por isso, as autoridades brasileiras ficam de mãos atadas para tomar qualquer iniciativa capaz de garantir algum controle sobre os conteúdos que circulam nele. O Telegram foi criado na Rússia, que se tornou um paraíso para os produtores e difusores de fake news. Embora tenha sede em Dubai, nos Emirados Árabes, não tem um endereço de contato confiável. A Justiça Eleitoral tentou diversas vezes se comunicar, inclusive por e-mail e por correspondência comum, mas não teve retorno. Só agora, com a proibição imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, (os responsáveis) apareceram, com a desculpa esfarrapada de que não haviam recebido o e-mail.

O que muda após a decisão do Supremo?
A decisão depende da ação dos provedores, pois, sem eles, nenhum aplicativo funciona. O ministro se antecipou, determinando que Google e Apple impeçam o acesso dos celulares ao Telegram, mas ainda é pouco. Tão logo a decisão foi anunciada, grupos de extrema-direita já se mobilizaram para driblar as determinações da Justiça. Na decisão que proibiu o aplicativo, consta uma determinação às plataformas e aos provedores de internet que interditem o Telegram, sob pena de multa diária de até R$ 100 mil. Resta aguardar para saber como eles vão se comportar.

O que a segurança desse app tem de diferente em relação à dos demais?
Não se trata de segurança, mas de uma característica dele. Para ganhar, como vem ganhando, cada dia mais adeptos — hoje, o aplicativo é usado por mais da metade dos celulares brasileiros —, o Telegram se serve justamente dessa promessa de acesso irrestrito e impune aos conteúdos, sejam lícitos ou ilícitos. Segurança, se existe, é para criação de uma terra sem lei. Curioso é que o Telegram alegou não ter recebido as comunicações da Justiça, mas o presidente da empresa, o russo Pavel Durov, alegou ter cumprido uma decisão judicial anterior, retirando do ar alguns perfis. Agora, diz não ter recebido comunicação alguma. Eles se contradizem a todo momento.

Como esse aplicativo pode impactar as eleições deste ano?
O impacto, caso o Telegram continue livre para operar, é o da difusão livre e desimpedida de conteúdos como fake news, que só favorecem aos grupos que hoje ocupam o poder no Brasil. Se lembrarmos que foi muito por conta delas que o atual presidente se elegeu em 2018, e isso está provado, percebemos claramente a razão de o próprio (Jair) Bolsonaro e o ministro da Justiça, Anderson Torres, estarem se movimentando publicamente no sentido de sustar a decisão que proibiu o Telegram.

E, no caso de outras plataformas de comunicação, que risco representam?
Outras plataformas igualmente oferecem riscos, porém estão bem mais sujeitas a responder por algum delito e serem, por exemplo, obrigadas a apagar perfis falsos ou que divulguem informações mentirosas, caluniosas ou criminosas. Mas, com elas, a diferença é que são localizáveis e imputáveis, por terem representação no Brasil, o que não ocorre com o Telegram.

O que deve ser feito para garantir um processo eleitoral menos prejudicado por esse cenário?
A vigilância permanente da Justiça Eleitoral, que vai precisar contar com profissionais de alta competência para monitorar permanentemente as redes sociais da internet. Além disso, o Poder Judiciário, sobretudo a Justiça Eleitoral, precisa criar uma espécie de rito sumário para recebimento de denúncias, apreciação, julgamento e punição dos responsáveis. É sabido que a Justiça é lenta porque existe a necessidade de ampla defesa, de exame cuidadoso de provas, etc. Mas, durante um processo eleitoral, a informação maliciosa provoca os maiores danos, e em uma velocidade vertiginosa. Se no passado era difícil, quase impossível, enfrentar notícias caluniosas ou criminosas por meio de um desmentido publicado nos meios de comunicação, imagine agora, com informação circulando à velocidade da luz. Os próprios partidos precisam se empenhar nesse trabalho, bem como todas as instituições públicas e privadas que tenham condições de prestar qualquer tipo de ajuda. Punições rigorosas, como prometidas, precisam sair da promessa. Elas podem funcionar como elemento de contenção da ação deletéria dos que se beneficiam eleitoralmente da criação e da difusão de informações falsas.

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