Na sabatina de sábado, Ricardo Gomes fala do sucesso no Botafogo, da falta de técnicos brasileiros na Europa, do AVC e até do impeachment…

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Em 10 meses no Botafogo, ele conquistou o título da Série B do Campeonato Brasileiro e o vice no Campeonato Carioca. Assediado pelo Cruzeiro, preferiu ficar em General Severiano. Pilhado, dispara a falar sem pausas, com uma emocionante fluência. Ricardo Gomes ainda se recupera do AVC sofrido em um Clássico dos Milhões, em 2011, que deixou sequelas na fala e na mobilidade. Na entrevista por telefone, exalta o Botafogo. Diz que pretende resgatar os  anos dourados de quem é chamado de Glorioso e se emociona ao falar do AVC. Festeja a recuperação mais rápida do que a de uma cientista norte-americana.  Como cidadão fala até da máfia da merenda e de impeachment.

MPL – Sob o seu comando, o Botafogo chegou neste ano pela nona vez em 11 anos à final do Campeonato Carioca. Está orgulhoso?

Ricardo Gomes – Nós fizemos uma boa campanha no Estadual. Porém, o principal, na minha opinião, está chegando, que é o Brasileirão. Nós trabalhamos muito para voltar no ano passado. Nós precisamos trabalhar bem para que seja um segundo semestre bom para o Botafogo.

MPL – Você tem 16 meninos promovidos da base no seu elenco. O que espera deles?
Ricardo Gomes – Rapaz, o Ribamar, por exemplo, chegou ao Botafogo com 12 anos. Isso tem um peso. Ele conhece o clube. É muito mais fácil lançar um jogador que chegou aos 12 do que um bom jogador que chegou aos 17. O que nós estamos perdendo no Brasil é a qualidade da formação. O Ribamar é exemplo de boa formação.

MPL – E o Emerson Santos?
Ricardo Gomes – Esse é uma baita zagueiro. Técnico, tem uma potência no chute que chama a atenção desde a base. Faz coisas em cobranças de falta que eu só vi grandes jogadores fazerem. Lembra grandes jogadores do passado.

MPL – Como quem, por exemplo?
Ricardo Gomes – Eu não posso falar. Vai virar manchete (risos).

MPL – A falha principalmente no primeiro jogo da final do Carioca deixou o Jefferson fora da Copa América?
Ricardo Gomes – A falha não serve como novo julgamento nem para o Dunga nem pra mim. O Jefferson sabe o que fazer para voltar à Seleção. Já tem muita carga em cima do Dunga, eu não vou colocar mais uma.

MPL – Quais são os seus planos para o Botafogo a longo prazo?
Ricardo Gomes – Eu quero o Botafogo como nos seus melhores anos. Precisamos recuperar o emblema desse time que é chamado de Glorioso. O mundo mudou, os jogadores são diferentes, mas a camisa continua pesando.

MPL – Você foi técnico do PSG, Monaco e Bordeaux. Por que não há técnicos brasileiros na Europa?
Ricardo Gomes – O que interessa ao europeu é o jogador brasileiro. Sempre foi assim. O treinador não tem essa força, devido, principalmente, ao idioma. Veja o caso do Diego Simeone. É argentino, fala espanhol. Eu estou falando de origem, de cultura. Qual é a nossa porta de entrada? Portugal. Ninguém duvida da qualidade do Luxemburgo. Mas, quando ele foi para o Real Madrid, faltava cultura. Não basta conhecer futebol. Onde o Felipão foi bem? Em Portugal! Precisamos entender que só temos uma porta de entrada.

“Eu quero o Botafogo como nos seus melhores anos. Precisamos recuperar o emblema desse time que é chamado de Glorioso”

MPL – Você quer voltar à Europa?
Ricardo Gomes – Tenho pequenos planos. O maior é me recuperar do AVC.

MPL – A eliminação do Brasil no Pré-Olímpico de Atenas-2004 é a sua maior frustração?
Ricardo Gomes – Claro. Quando você não atinge um objetivo vira frustração. Não quero mais falar sobre isso. De AVC e do Pré-Olímpico de 2004 eu não falo mais nada.

MPL – Ricardo Gomes, Jorginho, Leonardo, Dunga… É uma geração de técnicos discípulos do Carlos Alberto Parreira?
Ricardo Gomes – Do Parreira, do Zagallo… Mas eu não os copio. Quando o ser humano tenta copiar alguém, copia mal. Aprendemos alguma coisa com eles, sim, da mesma forma que a geração de 1982, de onde saíram técnicos como Zico, Falcão, Toninho Cerezo, que se inspiraram no Telê Santana.

MPL – Você teve problema com o Nenê na passagem pelo Monaco, mas, no Carioca, ele o abraçou selando a paz.
Ricardo Gomes – A primeira convocação do Nenê para a Seleção foi eu que fiz, para um torneio lá no Catar. Depois, eu o chamei para o Pré-Olímpico. Nenê é um dos meus grandes amigos no futebol e trabalha em uma casa de respeito.

“Qual é a nossa porta de entrada (dos treinadores brasileiros na Europa)? Portugal. Ninguém duvida da qualidade do Luxemburgo. Mas, quando ele foi para o Real Madrid, faltava cultura. Não basta conhecer futebol. Onde o Felipão foi bem? Em Portugal! Precisamos entender que só temos uma porta de entrada”

MPL – Na recuperação do AVC você fez intercâmbio na Europa e viu até jogo escondido no estádio?
Ricardo Gomes – Eu sentia vontade de voltar  e precisava estudar. Não podia ficar só em casa vendo pela tevê. Eu comecei a viajar. Passei um mês fora, olhando… Mesmo com dificuldade e fazendo muita fisioterapia, eu decidi ver jogos lá fora e aqui no Brasil. Fiquei uns dois meses estudando e voltei para a fisioterapia. Estou recuperado parcialmente, mas dá para trabalhar. Quanto a ir escondido, era para fugir de vocês (risos).

MPL – Quando você voltou a trabalhar, disse que estava liberado para as críticas e sem contraindicações. Pegaram leve com você?
Ricardo Gomes – O cara que escolhe ser treinador trabalha para uma legião de apaixonados. Quem não quer ser criticado, que fique em casa. Deixei isso claro, mas percebi que diminuíram as críticas, pegaram mais leve comigo. Aliviavam.

MPL – Até que ponto você se isolou durante a recuperação?
Ricardo Gomes – O pessoal reclamou aí do bloqueio de 72 horas ao WhatsApp. Eu não sinto falta nenhuma. Eu posso ficar 10 dias longe, sem falar ao celular. Numa recuperação, é preciso ter foco. Do contrário, não se recupera, mesmo. Coloquei mensagem na caixa postal. Quem tinha algo muito importante a falar deixava recado.

MPL – Quando voltou, você falou que o AVC foi defeito de fabricação…
Ricardo Gomes – Foi uma falha genética. Meu conselho a qualquer pessoa é ter cuidado com isso, investigar essas mazelas, essa parte genética.

MPL – É muito bom ouvi-lo falar com tanta fluência depois do AVC…
Ricardo Gomes – Mas não é todo dia… A evolução desse meu acidente não é constante e crescente. Tem dia que eu falo um pouco pior. Veja que loucura. Uma cientista americana de Boston, nos Estados Unidos, especializada em cérebro, teve um AVC bem parecido com o meu. Ela se recuperou em oito anos e voltou a trabalhar. Eu estou na metade do caminho.

“O pessoal reclamou aí do bloqueio de 72 horas ao WhatsApp. Eu não sinto falta nenhuma. Eu posso ficar 10 dias longe, sem falar ao celular. Numa recuperação, é preciso ter foco”

MPL – Há uma estimativa no seu caso?
Ricardo Gomes – Não existe. É como impressão digital. Não há recuperação igual a outra. Numa mesma lesão, os sintomas e as sequelas são diferentes. A cientista americana que eu citei se recuperou em oito anos. A minha ideia é fazer ainda melhor. Tenho mais três e meio para bater essa meta. E olha que ela é especialista em cérebro.

MPL – A família fica preocupada?
Ricardo Gomes – Não foi uma decisão pessoal. Lógico que treinador é uma profissão estressante. Preciso estar muito ligado. Mas o fato de eu estar em uma atividade estressante ou não, não reduz nem aumenta o risco em nada.

MPL – Qual foi o maior desafio antes da sua volta ao futebol?
Ricardo Gomes – A mobilidade e falar bem. O tempo que passei na fonoaudiologia e na fisioterapia foi pra isso.

MPL – Sentiu medo de não voltar?

Ricardo Gomes – Várias vezes. Tive muitas dúvidas, mas estou de volta.

MPL – Qual é a lembrança de Brasília?
Ricardo Gomes – O título da Série B do ano passado. Nós recebemos a taça aí.

MPL – Você tem um jogador nascido em Brasília no seu elenco. O que pode falar do Emerson Silva, que foi revelado aqui no Gama?

Ricardo Gomes – É um ótimo zagueiro. Foi meu adversário na final da Copa do Brasil (2011). Teve uma contusão grave, mas voltou bem e vai nos ajudar muito no restante da temporada.

“Você pode errar, mas não pode corromper. Quando eu vejo desvio de merenda escolar (em São Paulo)… Isso não é de Deus, não”

MPL – Por falar em Brasília, qual é a sua análise da situação do país?

Ricardo Gomes – Em um governo, você pode errar, é um ser humano. Agora, quem exerce um cargo público em um país em desenvolvimento, para não dizer subdesenvolvido, com criança morrendo de fome, sem educação, não pode estar sendo acusado de corrupção… Você pode errar, mas não pode corromper. Quando eu vejo desvio de merenda escolar (em São Paulo)… Isso não é de Deus.

MPL – É a favor do impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff?
Ricardo Gomes – Os últimos anos foram bem ruins. Precisamos de um novo tempo, está na hora de tocar uma outra música.

*Entrevista publicada na edição do último domingo do Correio Braziliense

Marcos Paulo Lima

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