Bolsonaro põe STF na arena política

Publicado em coluna Brasília-DF

Coluna Brasília-DF, por Carlos Alexandre de Souza (interino)

O indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira, contrariando o entendimento de dez ministros do Supremo Tribunal Federal, empurra o Poder Judiciário ao terreno do bolsonarismo. O gesto do chefe do Planalto põe a política no caminho da Justiça, em um ano eleitoral. O desgaste para os integrantes da mais alta Corte de Justiça do país será incontornável.

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Ao justificar a concessão do perdão ao parlamentar, Bolsonaro empregou argumentos jurídicos, como defesa da liberdade de expressão, e noções subjetivas, como a de que a “sociedade encontra-se em legítima comoção”. O objetivo, entretanto, é claramente político. Não se trata de preservar um senso de justiça, mas manter no campo eleitoral uma controvérsia que, na última quinta-feira, ganhou claro entendimento no Judiciário.

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O STF pode frear o ímpeto presidencial em resposta ao decreto, mas não conseguirá evitar a tensão institucional detonada pelo Palácio do Planalto, com evidentes efeitos políticos e econômicos. Note-se que o réu em questão foi condenado por incitação a atos antidemocráticos e ataques aos ministros do Supremo.

“Covarde”
Paola Daniel, esposa de Daniel Silveira e pré-candidata a deputada federal, cobrou uma reação mais firme do chefe da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). “Daniel Silveira não é criminoso para ter pena estipulada. Ele não cometeu crime algum e posso garantir que ele não está assustado. Está ainda mais decidido a despertar pessoas para o que poderemos enfrentar. Arthur Lira é um covarde!”, escreveu em uma rede social.

Joio e trigo
Quando ainda não era ministro do Supremo, André Mendonça deixou claro aos senadores que o ouviam em sabatina. “Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”, dizia, sinalizando que saberia distinguir religião e laicidade. Ontem, diante da revolta de bolsonaristas com a condenação a Daniel Silveira, o ministro recorreu às suas convicções morais e jurídicas. “Sinto-me no dever de esclarecer que: [a] como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e [b] como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja”, disse.

Está bagunçado

A crise na comunicação da pré-campanha de Lula obrigou o petista a intervir. Ontem, o partido dispensou o marqueteiro Augusto Fonseca, em um revés para o ex-ministro Franklin Martins, até aqui chefe da estratégia de comunicação da campanha de Lula. “A campanha vai ser mais ampla que o PT” e Lula vai “resolver a questão”, disse ao Correio uma fonte do entorno do ex-presidente. O partido ainda não decidiu quem vai ser o novo marqueteiro.

Pé quente
Setores do PT tentam emplacar um marqueteiro mais ligado ao partido. O preferido é o publicitário Sidônio Palmeira, que esteve à frente das campanhas vitoriosas do partido ao governo da Bahia em 2006 e 2010, com Jaques Wagner, e em 2014, com Rui Costa.

Reajuste suspenso
O ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu o reajuste extra concedido a servidores da saúde, educação e segurança pública de Minas Gerais
. O subsídio foi aprovado pela Assembleia Legislativa do estado e elevou em 14% os salários do funcionalismo. Com a decisão do magistrado, fica valendo o reajuste 10,06% dado a todos os servidores do estado. A medida fica em vigor até a análise do caso pelo plenário da Corte. Na decisão, Barroso alertou para o “risco de impacto significativo e irreversível nas contas do Estado”.

A guerra do auxílio
O governo se articula para barrar a tentativa da oposição de aumentar o valor do Auxílio Brasil para R$ 600. O Planalto pretende deixar a medida provisória que complementa os pagamentos do programa caducar e, em seguida, editar um decreto para fixar o benefício em R$ 400 até o fim de 2022. PT, PSol, PSB, PCdoB e PDT tentam, além de elevar o valor do Auxílio Brasil, tornar o benefício permanente. Nesta guerra, além do cálculo eleitoral, pesa a questão orçamentária.

Mais arrocho
Recentemente elogiado pelo ex-ministro Guido Mantega, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, segue fiel à amarga receita para conter a inflação. A investidores estrangeiros, em Washington, ele disse que o Copom deve aumentar a taxa Selic em um ponto percentual na reunião prevista para o início de maio. Atualmente, a Selic está em 11,75%. Na avaliação do presidente do BC, é “apropriado continuar avançando significativamente no processo de aperto monetário para um território ainda mais restritivo”.

Com artigo “Memento mori”, general Rego Barros se transforma em porta-voz dos militares

rego barros
Publicado em Política

O recado do general Otávio do Rego Barros, ex-porta-voz do Planalto, foi elogiado nos meios militares e, embora seja lido como um recado direto ao presidente Jair Bolsonaro, não foi visto com deslealdade. O objetivo, avaliam amigos do general, jamais foi criar celeuma. E sim alertar sobre o perigo de não se dar espaço ao que ele chama de “discordância leal”. É isso que hoje mais incomoda grande parte dos generais e de antigos apoiadores do presidente, que, diante dos novos amigos do Centrão, deixa de lado aqueles que o ajudaram a chegar ao Planalto e apostaram num projeto. “Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal”, escreveu o general no artigo Memento mori, publicado nesta quarta-feira no Correio Braziliense.

Rego Barros, que foi porta-voz da Presidência, mas acabou isolado após um tempo, traduziu no artigo o sentimento que perpassa os militares, de que hoje o presidente confunde discordância leal com oposição e é preciso ter clareza de que nem toda discordância é deslealdade.

O artigo, aliás, fez com que muitos saíssem da “toca”, em solidariedade ao general. Alguns, inclusive que se veem hoje quase que atirados à oposição, embora não tenham essa intenção. “Barbara Tuchman tinha razão: ‘A Marcha da Insensatez’ parece se repetir. Toda a minha solidariedade ao General Rêgo Barros pela atitude. Leitura precisa de um sombrio cenário. O mesmo cenário já repudiado por General Santos Cruz, Sérgio Moro e outros atentos defensores da moralidade”, escreveu em seu Twitter o general Francisco Brito, numa referência aos ex-ministros de Bolsonaro e à historiadora, jornalista e escritora estadunidense, ganhadora de dois prêmios Pulitzer.

O que o general Brito menciona de público corre a caserna nas conversas reservadas. O artigo “Memento mori” vale para todos aqueles que, ao alcançar o coração do poder, terminam deixando de lado os projetos iniciais pactuados e se acham acima do bem e do mal, sem levar em conta que a próxima eleição está logo ali e que é preciso manter firme a conexão com a realidade e não apenas com a bolha de seguidores nas redes sociais.

O artigo de Rego Barros foi escrito logo depois do pito público que o presidente Jair Bolsonaro passou no ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o general que se viu no constrangimento de ter um protocolo de intenções assinado por sua pasta desautorizado pelo presidente da República, num tema tão caro à sociedade como a vacina contra a covid-19. Já estava escrito, vale dizer, quando a revista Época trouxe reportagem de Guilherme Amado, contando os bastidores dos encontros do presidente com advogadas de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, e autoridades da área de inteligência do governo. Portanto, avisam alguns, quem tentar levar para esse lado estará num terreno que o general não pisou.

A lição deixa clara ainda a necessidade de, na falta de alguém que discorde do presidente e lhe alerte sobre determinadas atitudes, o funcionamento de todas as instituições é fundamental. “As demais instituições dessa república — parte da tríade do poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões”. No Supremo Tribunal Federal (STF) e na cúpula do Parlamento ficou a sensação de que as críticas às instituições não terão eco na caserna. Até aqui, o Planalto fez “cara de paisagem”. Diz o ditado, quem cala, consente.