O veneno da desconfiança e do ciúme

Publicado em coluna Brasília-DF

No pano de fundo do acordo entre PT e o PMDB de Renan Calheiros para preservar os direitos políticos da presidente Dilma Rousseff destacam-se dois fatores: a vontade de Renan em se reposicionar como o principal interlocutor entre o PMDB e a oposição, deixando o presidente da República na dependência de suas ações; e, de quebra, a tentativa de tirar do PSDB a influência que o partido de Aécio Neves espera ter no novo governo. Ciente do jogo, Temer começou o governo telefonando para Aécio, a fim de esclarecer que não foi responsável pelo acordo. O mesmo fez o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, quando entrou no plenário do Senado, comunicando aos parlamentares do próprio partido, que foram surpreendidos pela decisão. Conseguiram uma trégua, mas não o tratado de paz entre a parcela renanzista do PMDB e os demais aliados.

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O presidente viajou preocupado. Agora, o impeachment vai ao Supremo. E o PT às ruas com o que considera o forte argumento político: se os senadores optaram pela manutenção dos direitos políticos de Dilma, seria sinal de que o impeachment “foi uma injustiça contra uma mulher honesta”. Era tudo o que o PT queria, diante da dificuldade de evitar o afastamento definitivo de Dilma. E conseguiu. Temer só se livrará de risco se fizer a economia caminhar a contento. Esse é hoje seu maior desafio.

Dilma na área

A ex-presidente Dilma Rousseff foi convidada a assumir secretarias de estado em dois governos petistas, o de Camilo Santana, no Ceará; e o de Rui Costa, na Bahia. O objetivo é ajudar Dilma a ficar longe do alcance do juiz Sérgio Moro. A tendência, contam aliados, é aceitar o cargo em solo baiano, justamente, em Salvador, reduto do DEM de ACM Neto, prefeito candidato à reeleição. Que ninguém espere dela a aposentadoria.

Mandados cruzados

Enquanto José Eduardo Cardozo prepara ações para reverter o impeachment, Álvaro Dias, do PV, vai propor que seu partido ingresse com um mandado de segurança para que Dilma perca os direitos políticos.

Aí é que mora o perigo

Em seu pronunciamento, o presidente Temer ofereceu aos investidores segurança jurídica e estabilidade política. Quem entende das coisas em seu governo avisa: “Segurança jurídica está mais fácil do que estabilidade política. Depois de hoje, ele ganhou, mas precisará de muito jeito para acalmar a base”.

Ficou mal

O líder do PMDB, Eunício Oliveira, optou pela abstenção na segunda votação de ontem para não perder votos nos grupos favoráveis ao impeachment. A neutralidade, entretanto, soou entre os tucanos como um sinal de que não dá para confiar em quem não avisa que um acordo desses está em curso.

A gladiadora

Articuladora da manutenção dos direitos políticos de Dilma com Renan Calheiros e ex-ministros que votaram a favor do impeachment, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) avisou a seus colegas de bancada que não vai deixar o partido. Prefere ser expulsa e, ainda que sem partido num primeiro momento, liderar a oposição ao governo de Michel Temer.

CURTIDAS

Quem ri por último/ O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha há tempos não se sentia tão feliz. Chegou a comemorar em casa a perspectiva de manter os direitos políticos. Seus aliados consideram que basta reunir 171 deputados em seu favor.

Cassoulet da sorte I/ Quando o avião que leva Temer à China abandonar o espaço aéreo brasileiro, o seu sucessor, Rodrigo Maia, já investido na função de presidente da República, degustará esse prato. A expressão foi usada pelos correligionários de Maia, que assim denominaram a iguaria que ele saboreou no dia em que foi eleito presidente da Câmara.

Cassoulet da sorte II/ O chef napolitano Rosario Tessier, autor da sugestão, foi convocado hoje para repetir a receita num jantar exclusivo (só para 20 pessoas) em homenagem a Maia, que assume pela primeira vez o mais alto posto da nação. Feito de confit de pato, linguiça de javali e bisteca de cordeiro, o prato também leva feijões brancos, que o tornam caldoso e suculento.

O livro da moda/ Muitos senadores que ocuparam a tribuna nos últimos dias carregavam um exemplar de “Elementos de Direito Constitucional”, obra do presidente Michel Temer. Até a nova líder da oposição, Kátia Abreu, ostentava um.

Vida real/ Na sala de café da Câmara, a senhora que trabalha na limpeza fez a seguinte pergunta, quando o aparelho de tevê, sintonizado na TV Senado, registrou o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff: “Isso quer dizer que o trânsito voltará ao normal?”. Sua preocupação era o ônibus. Nos últimos dois dias, teve que descer na Rodoviária e caminhar até o Congresso.