“NA ÁREA CINZA”

Publicado em Artigo

Gil Vicente Gama*
Na minha página do facebook tenho quase 3 mil “amigos”, idem para as minhas listas de grupos no whatsApp, diariamente manifesto por lá meus pensamentos mais elevados, pequenas histórias do cotidiano e algumas análises críticas com relação à política, economia e comportamento, nada que me diferencie do comportamento de milhões de outros usuários amadores das redes sociais.
Algumas de minhas publicações e compartilhamentos recebem elogios, curtidas ou pequenos embates no campo das idéias, tudo muito bem registrado através dos ícones ou comentários. Entretanto, alguns posts têm a capacidade de registrar o número de pessoas que o visualizaram, a exemplo das listas de whatsApp, e estes evidenciam um fosso enorme de relacionamento entre aqueles que apenas vêem daqueles que se manifestam.
Pesquisas de marketing com foco nas redes sociais apontam que a depender do post e da qualidade do relacionamento desenvolvido entre aquele que posta e o que vê, menos de 10% efetivamente registram o seu posicionamento. São uma espécie de voyers digitais que vêem mas não querem se comprometer com a pessoa ou o tema relacionado. São habitantes da “Área Cinza”, onde vivem em uma pseudo zona de conforto, acobertados pela alta exposição de uns, andando pelas beiradas da existência, preferindo o anonimato e quase nunca se comprometendo com posicionamentos que venham expô-los a observação dos demais.
No dia 14 de setembro passado, representantes do Ministério Público Federal, responsáveis pelas investigações no âmbito da chamada Operação Lava Jato, vieram a público para escrever a história, no que poderá vir a ser chamado como “o primeiro processo judicial totalmente digital e em tempo real” do judiciário mundial.
Surgido a partir de uma convocação de coletiva com a imprensa, Procuradores Federais foram a público, de forma didática e com a utilização das ferramentas mais simples disponíveis nos meios digitais, para apresentar lógicas de investigação, explicar, detalhar provas, expor convicções e, finalmente, anunciar que o Brasil possui um inimigo público número 1, e o seu nome é: Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 1988, com o advento da construção da atual Constituição Brasileira, vimos, de um lado, surgir os principais elementos de organização do Estado, de outro, a organização econômica e ao centro o aparato garantidor do exercício da cidadania com um foco muito grande nos direitos e não tão equilibrado quanto aos deveres. E foi exatamente nesse caldeirão institucional que surgiram as bases institucionais que justificaram, quase trinta anos depois, o embate de forças ocorrido no dia 14 p.
Na medida em que os Promotores iam apresentando seus argumentos para a acusação pública, brasileiros de todos os segmentos, rapidamente iniciaram suas manifestações nas mídias sociais. A imprensa começou a divulgar trechos e comentários de perplexidade, questionamento, dúvidas e críticas integrados a uma espécie de reality show que foi transformando a audiência em verdadeiros expertises na área do direito, como um coroamento de toda a pedagogia jurídico social que os responsáveis pela Operação Lava Jato vêm implementando há quase dois anos e que, por força destes, termos técnicos como delação premiada, condução coercitiva, pacto de leniência, trusts, off shores, regime aberto, semi-aberto ou fechado, dentre outros, tornaram-se comuns em qualquer roda semanal de botequim.
Toda esta alta exposição de informações e compartilhamentos, principalmente nas redes sociais, criaram de forma antagonista, aqueles que ainda procuram proteger seus interesses, mesmo que à margem da lei, acobertados por um rosário de justificativas para seus malfeitos, com base no que os outros, que antes deles vieram, supostamente, também fizeram no caminho pela seara do erro e da corrupção. Mas, entre um e outro, também podemos encontrar os habitantes da “Área Cinza”, ocultos em suas observações e comportamentos e perplexos entre a bravura de uns e a tentativa de proteção de outros.
Vivendo nesta “Área Cinza” aparecem profissionais que ainda não se comprometeram com a construção de uma nova forma de gerir a sociedade, agentes públicos que continuam ainda a usufruir de seus cargos em benefício próprio, sindicatos que ainda buscam direcionar suas ações tão somente para a manutenção de seus privilégios, operadores do direito, na posição de uma grande parcela de advogados, juízes, promotores, procuradores e desembargadores ainda encastelados em seus nichos de aplicação do juridiquês que muito fala, nada faz e excessivamente busca se privilegiar de posições individualizadas e completamente distantes dos reais interesses sociais.
A delimitação de um inimigo público número 1, feita pelos representantes do MPF, nos coloca também diante da delimitação entre o que vivemos até aqui e o que não queremos mais viver, nos dá a chance de reformularmos o nosso pensar e agir com a sensação de estarmos vivendo os emblemáticos quarenta e cinco minutos do segundo tempo de um jogo muito importante, onde podemos escolher em acordar de um pesadelo social quase que apocalíptico ou sermos tragados pela armadilha do nosso comodismo em ironicamente crer que nada irá mudar e tudo continuará como antes.
O campo está delimitado, temos agora a escolha…Que vença o Brasil e todos nós…brasileiros…!

* Gil Vicente Gama, advogado, sócio e responsável pelo núcleo estratégico nacional e internacional da Nelson Wilians Advogados Associados.