Dilma em seu labirinto

Publicado em coluna Brasília-DF

Passada a votação na Câmara, a estratégia dos oposicionistas no Senado é “amarrar o que der” de votos pró-impeachment no Senado já na primeira fase, a de admissibilidade, na qual basta a maioria simples. Isso porque, na avaliação de muitos senadores, quem votar sim na primeira rodada, estará comprometido a votar da mesma forma na hora de julgar o mérito, daqui a dois ou três meses. Ali, o senador Romero Jucá, ex-líder do governo e um dos generais do vice-presidente Michel Temer, tinha ontem um placar, repassado a alguns deputados: 45 votos em prol da continuidade do processo e 50 pelo impeachment propriamente dito, o que deixa a presidente a quatro votos do cadafalso.
As contas do senador Jucá não podem ser desprezadas. Ele é quem mais conhece a alma e o jeitão de todos os colegas. Foi líder de todos os governos. É ainda grande aliado do presidente da Casa, Renan Calheiros. Jogam juntos. Renan inclusive já avisou ao ex-presidente Lula que não tem condições de barrar nada, tampouco atrasar. Daí, o desespero do governo ontem para tentar conseguir segurar o processo na Câmara, onde até o último minuto a presidente Dilma Rousseff lutou, sempre com uma estratégia atrasada em relação ao placar.
A votação já seguia pela metade, quando o ex-presidente Lula, a própria Dilma e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, tentaram virar alguns votos os deputados mineiros, em especial, os do PR. Foi tarde. Nem o voto do ex-ministro da Aviação Civil Mauro Lopes, o breve, o governo conseguiu.

Comissão dominada
Há quem diga que, se Dilma demorou a acordar para perceber que sua base derretia na Câmara, chega atrasada para arrumar jogo no Senado. Ali, a oposição já dominou a primeira arena, a Comissão de 21 senadores que tratará da admissibilidade do processo de impeachment. A escolha da relatora, Ana Amélia Lemos, do PP do Rio Grande do Sul, coloca Dilma contra uma mulher considerada uma unanimidade na Casa enquanto correção e seriedade. Para completar, a comissão terá como presidente o senador Antonio Anastasia, do PSDB de Minas Gerais, que não tem mais contas a acertar com a Lava Jato, uma vez que nada foi encontrado contra ele — da mesma forma que não há nada ali contra a própria Dilma.
A presidente até agora não chamou sequer os senadores do PT para pedir que preparassem o terreno, caso o governo não tivesse força para segurar o processo na Câmara. As únicas conversas foram com Lula, que agora, com atraso, trabalhará os votos partindo em desvantagem em relação aos generais de Temer.

Saída é a rua? Nem tanto
A esperança do PT é que os próximos passos da Lava Jato sejam suficientes para enfraquecer o Senado. Entretanto, se a maioria dos enroscados na Lava Jato votou contra Dilma ontem na esperança de que a derrocada da presidente represente a salvação deles, a tendência dos senadores emparedados pelo Petrolão é seguir pelo mesmo caminho.
Sendo assim, restará ao PT e ao governo apostar que uma mobilização popular faça vingar a tese do golpe, à qual de amarra o governo. Ontem, entretanto, mais uma vez, a ala pró-impeachment foi maior nas ruas, o que demonstra que o governo pode estar perdendo fôlego também nesse terreno.

Conjunto da obra
Há mais de um ano, ouvi de um experiente político que os parlamentares não hesitariam em investir contra a presidente e o PT, caso houvesse motivo e eles – o PT e Dilma – perdessem o apoio popular. Por que essa má vontade contra a presidente? Por causa do desprezo com o qual Dilma sempre tratou a classe política, o não-cumprimento de acordos e a demora em agir quando a situação exigia atitude imediata. Um exemplo foi a troca de Aloizio Mercadante na Casa Civil, algo criticado até pelo próprio PT.

O primeiro sinal
O vislumbre para que os partidos investissem contra Dilma veio em 2013, nas manifestações durante a Copa das Confederações. Ali, a oposição perdeu o medo de enfrentar os petistas de um modo geral. O primeiro a perceber o movimento foi o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Talvez por ironia do destino, foi de lá que partiu o 342o voto, do deputado tucano Bruno Araújo, que definiu o placar. Campos repetia incessantemente, disse inclusive a Lula, que Dilma não teria condições de governar num segundo mandato. Convicto dessa avaliação, decidiu sair candidato, mas morreu num desastre aéreo no início da campanha. No velório dele, ecoou um uníssono “fora PT” que este ano tomou conta do país. Mas o PT não ligou para aquelas palavras de ordem lá atrás ou fingiu não ouvir.

Passada a eleição presidencial, diante da insatisfação popular com as medidas adotadas pela crise econômica, contrárias ao que havia sido prometido na campanha, somadas às “pedaladas”, veio o motivo que a classe política esperava. Dilma, entretanto, não pareceu perceber que a situação se agravara na base. Continuou agindo como se a popularidade se mantivesse tão alta quanto no primeiro mandato. Nesse quadro, desprezou antigos aliados, como o PSB, lançou candidato próprio a presidente da Câmara, foi sozinha com o PT e o PCdoB contra Eduardo Cunha. Mais tarde, desprezou o vice, Michel Temer, que agora é o motor da expectativa de poder.

Aos poucos, formou-se assim o caldo para a votação de ontem. E que a oposição já vem engrossando para o que virá no Senado. Lá, Dilma jogará contra um time de profissionais e sem trégua. Não terá mais o argumento Eduardo Cunha, que agora viverá seu tempo de desgaste na Câmara. Cada qual no seu labirinto.

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