Chinaglia vai à CVM contra a Eletrobras

Publicado em Política

O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) apresentou denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que ela se pronuncie sobre o balanço da Eletrobras e a recomendação da consultoria independente Deloitte, para que a Santo Antônio Energia ajuste o seu balanço de 2021, já publicado, e reporte perdas em um processo de arbitragem sobre uma dívida com o consórcio construtor da usina. A notícia foi publicada pela Coluna Brasília na terça-feira, 8 de março (veja as notas publicadas abaixo). Na sua representação, Chinaglia diz que a ausência dessa provisão de R$ 2 bilhões para pagamento da dívida contraria as normas vigentes e pede que seja analisado, à luz dos atos normativos, se realmente houve alguma infração por parte da Eletrobras ao não incluir esse valor no seu balanço. Pelo visto, depois do TCU, a Eletrobras terá que dar ainda satisfações à CVM, antes de partir para a privatização que o governo tanto deseja concluir este ano.

Atualização em 10/03/2022: “A Santo Antônio Energia esclarece que as Demonstrações Financeiras relativas ao exercício de 2021 seguiram o habitual trâmite previsto em lei e não procede a informação de que recebeu da auditoria independente solicitação de retificação. Em relação ao Procedimento Arbitral, está em andamento o período legal de esclarecimentos. Somente após a conclusão deste período e os esclarecimentos finalizados a sentença se tornará definitiva”.

À CVM caberá dizer quem tem razão.

 

Eis a íntegra do pedido de Chinaglia:

“Ao

Senhor Marcelo Santos Barbosa

Presidente da Comissão de Valores Mobiliários Rua Sete de Setembro, 111 – CEP: 20050-901 Centro – Rio de Janeiro

Senhor Presidente,

ARLINDO CHINAGLIA JÚNIOR, brasileiro, casado, médico, atualmente no exercício do mandato de Deputado Federal pelo PT/SP, (…), com endereço no gabinete Ala A, Ed. Principal, Anexo I, Câmara dos Deputados – Brasília/DF; com endereço eletrônico dep.arlindochinaglia@camara.leg.br, vem perante Vossa Excelência, nos termos do que estatuem as disposições insertas nas Leis no 6.385/1976 e 6.404/1976, propor REPRESENTAÇÃO pela ocorrência de eventuais atos lesivos ao patrimônio da empresa Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S/A – e aos interesses de seus acionistas, noticiados na mídia no curso do processo de desestatização da empresa, consoante fundamentação e requerimentos que seguem.

I. Dos Fatos

Conforme o estatuto social que a define, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras, inscrita sob o CNPJ/MF no 00.001.180/0001-26, é uma sociedade anônima de economia mista federal, constituída em conformidade com a autorização contida na Lei no 3.890-A, de 25 de abril de 1961, de natureza jurídica de direito privado, patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A empresa é a maior companhia do setor elétrico da América Latina e a maior geradora e fornecedora de energia elétrica do país, e tem como acionista majoritário a União. Isto é, é uma holding de economia mista, na qual o Estado detém, atualmente, 60% das ações.

O atual Governo pretende que a União perca o controle acionário majoritário da Eletrobras, de modo que a empresa deixe de ser sociedade de economia mista para se tornar empresa privada. Para tanto, editou a Medida Provisória n. 1.031/2021, em seguida convertida na Lei n. 14.182/2021, cujo objetivo é a desestatização da Eletrobras.

O modelo de privatização prevê a emissão de novas ações da empresa, a serem vendidas sem a participação do governo, de modo a resultar na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União, e na remessa dos valores adquiridos diretamente para o caixa da empresa.

A fim de que a privatização seja efetivada, os balanços da Eletrobras e suas

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subsidiárias devem estar concluídos, de modo que o valor das ações seja representativo do valor da companhia, nos moldes e valores já aprovados pela 181a AGE da Eletrobrás, realizada em 22/02/2022.

Ocorre que, conforme noticiado pelo Correio Braziliense no dia 08/03/2022, há um erro no balanço da empresa Santo Antônio Energia S.A., controlada por Furnas – uma das subsidiárias da Eletrobras, que representa um possível erro da provisão no balanço da empresa da ordem de R$ 2 bilhões.

A Santo Antônio Energia S.A. (SAESA) é a concessionária responsável pela implantação e operação da usina hidrelétrica Santo Antônio, localizada no Rio Madeira, em Rondônia, que representa a 4a maior geradora de energia hídrica do Brasil. Diante deste potencial, sua importância no contexto de privatização da Eletrobras é evidente.

A SAESA é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) na qual Furnas detém mais de 43% do capital, tendo como sócias as empresas Centrais Elétricas de Minas Gerais – Cemig, Odebrecht Energia, Andrade Gutierrez e Amazônia Energia.

As obras de construção da usina hidrelétrica iniciaram em 2008, porém ocorreram inúmeros atrasos devido a greves e problemas no licenciamento ambiental. Ocorre que, logo após a licitação em 2007, a empresa responsável pela construção e operação da usina celebrou contratos para a comercialização da energia a ser futuramente gerada, como habitualmente é feito no setor elétrico.

No entanto, a usina hidrelétrica não conseguiu gerar a energia contratada
devido ao atraso nas obras, tendo que comprar energia no mercado livre, de outras usinas, para entregar aos clientes. Porém, com a disparada no valor da eletricidade em 2014 devido à falta de chuvas, o cumprimento dessa determinação provocou um prejuízo bilionário à empresa. Na ocasião, a direção da Santo Antônio Energia responsabilizou o Consórcio Construtor pelo atraso, e para definir as responsabilidades pela dívida, instalou-se um procedimento arbitral, que somente foi concluído recentemente, no início de 2022. Com o resultado da arbitragem, a argumentação da SAESA foi derrotada e o valor da dívida foi estimado após esse processo em mais de R$ 15 bilhões.

Dessa forma, pelas regras contábeis, os juros relativos à dívida, que giram em torno de R$ 2 bilhões, deveriam ser obrigatoriamente provisionados no balanço anual da SAESA, o que, no entanto, não foi registrado no atual balanço.

Segundo noticiado na imprensa, a consultoria independente Deloitte Touche Tohmatsu Auditores Independentes, que representa o auditor independente no balanço da empresa, recomendou à Santo Antônio Energia que ajuste o seu balanço de 2021, já publicado, para que sejam reportadas perdas no processo de arbitragem em que a empresa foi derrotada. Trata-se da definição de responsabilidade de uma dívida com o consórcio construtor da usina.

Apesar disso, a empresa decidiu não refazer e republicar o balanço para não assumir ou registrar a derrota na arbitragem nesse momento, por conta do prosseguimento do processo de privatização. A razão aparente foi que, caso o balanço da SAESA fosse refeito e corrigido, o cronograma de publicação do balanço da Eletrobrás seria alterado em

sequência. Cabe registrar que a publicação do balanço de 2021 é elemento fundamental para a conclusão da privatização.

De fato, as Demonstrações Financeiras Anuais Completas – SAE 2021 divulgadas pela Santo Antônio Energia S.A. em seu sítio eletrônico informam pendências com relação a processo arbitral em face do Consórcio Construtor Santo Antônio CCSA (pag. 34- 35), não obstante, não há qualquer informações sobre a relevante cifra veiculada pela mídia. Ao contrário, informa-se que o procedimento ainda está em curso e é sigiloso, embora o texto mencione expectativas com relação a recuperação de ativos.

Ainda segundo foi noticiado, o Governo e a Eletrobras pressionam a diretoria da Santo Antônio Energia S.A para manter o balanço como está, sem a provisão bilionária, uma vez que refazer o balanço da empresa afetaria o cronograma de publicação das contas de Furnas e da Eletrobras, o que impacta diretamente no cronograma da privatização.

Diante destes fatos, é necessário o pronunciamento da Companhia para esclarecer os acionistas e o mercado a respeito da conclusão do procedimento arbitral mencionado e seu impacto da provisão do balanço da empresa.

Tais informações são absolutamente incompatíveis com os direitos dos acionistas minoritários e do mercado em geral, de modo que se faz necessária a denúncia e o pedido de providências junto à esta autarquia.

II. Do Direito

A Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, estatui o seguinte:

Art. 1o Serão disciplinadas e fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades:

VII – a auditoria das companhias abertas;
VIII – os serviços de consultor e analista de valores mobiliários.

Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (…)

§ 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas para a execução do disposto neste artigo, podendo:

(…)

II – exigir que as demonstrações financeiras dos emissores, ou que as informações sobre o empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado;

Art . 4o O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:

(…)
III – assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da

bolsa e de balcão;

IV – proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra:

a) emissões irregulares de valores mobiliários;

b)atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários.

c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários.

V – evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado;

VI – assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido;

Art 9o A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o do art. 15, poderá:

I – examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos, inclusive programas eletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer outra natureza, bem como papéis de trabalho de auditores independentes, devendo tais documentos ser mantidos em perfeita ordem e estado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos:

a) as pessoas naturais e jurídicas que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários (Art. 15);

b) das companhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver suspeita fundada de atos ilegais, das respectivas sociedades controladoras, controladas, coligadas e sociedades sob controle comum;

(…)
e) dos auditores independentes;
f) dos consultores e analistas de valores mobiliários;

g) de outras pessoas quaisquer, naturais ou jurídicas, quando da ocorrência de qualquer irregularidade a ser apurada nos termos do inciso V deste artigo, para efeito de verificação de ocorrência de atos ilegais ou práticas não eqüitativas;

II – intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 11;

III – requisitar informações de qualquer órgão público, autarquia ou empresa pública;

IV – determinar às companhias abertas que republiquem, com correções ou aditamentos, demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas;

V – apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado;

VI – aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal.

Veja-se que a Lei que regulamenta o mercado mobiliário prescreve uma série de condutas e ações com vistas à manutenção equilibrada e racional desse setor, onde os agentes econômicos e respectivos atores do mercado de ações devem atuar de modo a proscrever qualquer tipo de privilégio ou conduta tendente a prejudicar os interesses dos acionistas da empresa.

Por sua vez, a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que disciplina as Sociedades por Ações, estatui o seguinte:

Dever de Informar

Art. 157. O administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular. (Vide Lei no 12.838, de 2013)

§ 1o O administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à assembléia-geral ordinária, a pedido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social:

a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exercício anterior;

b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício anterior;

c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo;

d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível;

e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia.

§ 2o Os esclarecimentos prestados pelo administrador poderão, a pedido de qualquer acionista, ser reduzidos a escrito, autenticados pela mesa da assembléia, e fornecidos por cópia aos solicitantes.

§ 3o A revelação dos atos ou fatos de que trata este artigo só poderá ser utilizada no legítimo interesse da companhia ou do acionista, respondendo os solicitantes pelos abusos que praticarem.

§ 4o Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.

§ 5o Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1o, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4o), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso.

§ 6o Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia.

Ademais, em seu art. 176, a Lei 6.404/1976 expressamente obriga a diretoria a elaborar, ao fim de cada exercício social, as demonstrações financeiras que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício, conforme abaixo transcrito:

Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

  1. I  – balanço patrimonial;
  2. II  – demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados;
  3. III  – demonstração do resultado do exercício; e
  4. IV  – demonstração dos fluxos de caixa; e
  5. V  – se companhia aberta, demonstração do valor adicionado.

(…)

§ 4o As demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício.

O §3o do art. 177 também da Lei das Sociedades Anônimas impõe que as demonstrações financeiras das companhias abertas observarão, ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados.

Os dispositivos legais anteriormente mencionados compõem, juntamente com outros, o arcabouço jurídico que regulamenta o funcionamento das companhias abertas sob o aspecto de seus registros contábeis e das demonstrações financeiras deles derivados. O imperativo de submissão das demonstrações à revisão de auditor independente e registrado no órgão máximo de controle do mercado mobiliário tem o primordial intento de garantir a necessária e imprescindível higidez das companhias cujas ações estão disponíveis para venda a qualquer interessado, preservando, assim, o inerente interesse público quanto ao regular funcionamento do mercado e proteção dos acionistas.

Ora, ao que tudo indica, a sequência de atos bem como notícias veiculadas na mídia, relacionadas à necessidade de revisão dos balanços e inclusão de reconhecimento contábil de perdas em processo de arbitragem da ordem de R$ 2 bilhões da empresa Santo Antônio Energia S.A, controlada por Furnas, subsidiária da Eletrobras, corroboram para o entendimento de que as demonstrações financeiras, inclusive da Eletrobras (afetada pelo resultado não contabilizado na Santo Antônio Energia) não estão em consonância com ditames legais supra referidos, tanto no que se refere à higidez das demonstrações financeiras que, ao que tudo indica, o próprio auditor independente entende que contém erro grave, quanto no que se refere ao dever da administração de informar ao mercado fatos relevantes que afetem o patrimônio da Cia.

Nessa toada, exsurge evidente que, deve a companhia Eletrobras e Furnas devem explicar-se quanto à sequência de atos praticados que depreciam a empresa, mais especificamente quanto à necessidade de informação a ser prestada ao mercado a respeito da recomendação da auditoria independente.

III. Dos Pedidos

Face ao exposto, requer a representante:

a) Seja analisado, à luz dos normativos destacados e dos princípios da isonomia, igualdade e razoabilidade, a eventual ocorrência de infração do dever de informar os acionistas e ao mercado;

b) Identificado a infração e/ou outras possíveis irregularidades, sejam adotadas as medidas, inclusive cautelares, no sentido de obstar a continuidade das ações errôneas;

c) Confirmadas, em tese, a prática de ações contrárias à legislação de regência e ao interesse público, sejam adotadas as providências a cargo desta Autarquia, sem prejuízo de comunicação às autoridades competentes, para adoção de outras medidas cabíveis.

Rio de Janeiro (RJ), em 9 de março de 2022. Termos em que,
Pede e espera deferimento.

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