“A crase não foi feita pra humilhar ninguém”, escreveu Ferreira Gullar. “Nem a vírgula”, completou José Cândido de Carvalho. O autor de O coronel e o lobisomem sabia das coisas. Nos tempos em que a escola ensinava e aluno aprendia, ele entendeu as manhas da língua. Uma das descobertas foi a engenhosidade da vírgula.
Descobriu que há situações e situações. O sinalzinho não cai do céu. Nem se curva a caprichos de criança manhosa. Ele obedece a três regras definidas. Separa termos e orações coordenados, explicativos e deslocados. Os coordenados foram assunto das lições anteriores. Chegou a vez dos explicativos.
O que é isso?
Os termos explicativos têm várias caras. Uma é velha conhecida. Trata-se do aposto. Lembra-se?
*Brasília, a capital do Brasil, tem 3 milhões de habitantes.
Os professores não se cansam de repetir que o aposto não faz falta. Pode cair fora. Verdade? É. Ele facilita a vida do leitor, mas a ausência da criatura redundante não faz falta ao entendimento da frase. Se eu não sei que Brasília é a capital do país, tenho saída. Consulto. A resposta é certa. Afinal, o Brasil só tem uma capital.
Chute?
Compare as frases:
O presidente da República, Michel Temer, esteve em Portugal.
O ex-presidente da República José Sarney também esteve em Portugal.
Por que um nome vem entre vírgulas e o outro não? É chute? Não. O segredo está no que vem antes do nome. No primeiro caso, é presidente da República. Quantos existem? Só um. Michel Temer é termo explicativo. Funciona como aposto. Se o cortarmos, uma visitinha ao Google nos informa quem tem assento no Palácio do Planalto. Daí as vírgulas.
Mas há mais de um ex-presidente. Se eu não disser a quem me refiro, deixo o leitor numa enrascada. Posso estar falando de Lula, FHC, Itamar Franco. Aí só há um jeito: dar nome ao boi. José Sarney é termo restritivo. Não aceita vírgula.
Mais exemplos
D. Pedro II, imperador do Brasil, morreu em Paris.
O ministro da Fazenda, Henrique Meireles, formou equipe respeitada.
O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan dá opinião sobre a economia.