Eta criatividade. Eles foram remediados. Viraram pobres. Passaram a miseráveis. Aí apareceram os carentes. Seguiram-se os despossuídos. Depois os descamisados vieram com força total. A construção de Itaipu criou os sem-terra. As águas invadiram a propriedade de pequenos proprietários rurais. O governo prometeu indenizá-los. Não o fez. José Rainha e Pedro Stedile tomaram a frente do movimento. Deu no que deu. O sem virou histeria. O desabrigado é sem-teto; o desamparado, sem-justiça; o político vira-casaca, sem-partido. Xuxa fala nos sem-brinquedo. Millôr se refere aos sem-vergonha. Elio Gaspari, aos sem-limite. Edir Macedo, aos sem-religião. O papa, aos sem-Deus. A liberação das tarifas bancárias deu origem aos sem-banco. A crise financeira logrou unanimidade – os sem-dinheiro. O sem deu filhotes. Sem-terrinha têm se manifestado aqui e ali. Está se falando no movimento dos sem-celular, sem-computador, sem-internet, sem-micro-ondas, sem-carro importado, sem-marido, sem-ficante. Enfim, a criatividade anda solta. Até sem-picanha andou frequentando as páginas de revistas e jornais. O Atlético Paranaense importou os jogadores Nowak e Piekarski. Eles se entopem de churrasco todos os dias. “Na nossa terra”, explicam, “éramos sem-picanha. Tanta carne junta só tínhamos visto no pasto. Mugindo.” Há limite para o sem? Há. Quando formam substantivos ou adjetivos, as três letrinhas gozam da inseparável companhia do hífen. Fora isso, grafam-se como as demais preposições do universo de Camões, Pessoa ou Machado: Saiu sem pedir licença. Sem dinheiro, nada de compras. O crime se classifica em culposo ou doloso. O doloso é o cometido sem intenção de matar. Olho vivo. Sem é sem-flexão. Sem masculino e sem plural, é tudo igual.