Que ou quê?

Publicado em português

Acento e pronúncia formam par inseparável. Agudo e circunflexo só caem sobre a sílaba tônica. Em dissílabos, trissílabos e polissílabos, descobrir a fortona é fácil como passar criança pra trás na fila. Com os monossílabos, porém, a história muda de enredo. Os pequeninos obedecem a um caso das oxítonas. Acentuam-se os terminados em a, e e o seguidos ou não de s. Veja: está (dá), estás (dás), pajé (dê), pajés (dês), vovó (dó), vovós (dós).

A questão…

Nada de especial. Por que, então, o quê dá nó nos miolos? Porque é vira-casaca. Muda de time a torto e a direito. Ora é conjunção. Ora pronome. Ora substantivo. A primeira equipe não dá problemas. Apresenta-se sempre com a mesma cara. As duas outras provocam enxaqueca. Às vezes pedem chapéu. Outras vezes dispensam o acessório. Você sabe lidar com as estripulias delas?

1º time 

A equipe da conjunção se apresenta com a mesma cara – sem acento: Disse que acabará o estágio em dezembro. Saia mais cedo, que o metrô não circula hoje.

2º time

As outras provocam dor de cabeça. Por duas razões. De um lado, a criatura tem o poder da mobilidade. Salta daqui para ali como macaco salta de galho. De outro, varia de classe gramatical. Passa de pronome a substantivo com a facilidade com que andamos pra frente. Elas fazem as artes. Nós pagamos o pato. O preço dessas mudanças é o acento. Quando usá-lo? Em duas oportunidades:

  1. Quando o quê for substantivo. Aí será antecedido de pronome, artigo ou numeral. Como todo nome, tem plural:

Modelos na passarela têm um quê de sedutor.

Qual o mistério dos quês?

Este quê não me confunde mais.

Corte os quês da redação.

Belo quê você introduziu no discurso. Quem mandou?

  1. Quando o quê for a última palavra da frase – a última mesmo, coladinha no ponto:

Trabalhar pra quê?

Riu, mas não disse por quê.

Você se atrasou por quê?

Ele se ofendeu com quê?

Quero saber a razão do emprego desse quê.

Moral da opereta

 Desvendados os dois empregos, o quê recolhe-se à própria insignificância. Redatores que arrancam os cabelos por causa do acentinho chegam à conclusão óbvia: não há por que temer o quê. Ele é mais manso que o gatinho lá de casa.