Só é livre quem pode escolher. Exercita a liberdade a pessoa que tem opções. Pão, bolo ou biscoito? Chá, café ou suco? Ônibus, metrô ou carro? A dúvida só bate à porta de quem tem escolhas. O sem-alternativa não precisa decidir entre isto ou aquilo. É isto ou isto. Com a limitação, é privado de usufruir as vantagens da diversidade, que estimula a imaginação com a perspectiva do diferente.
Exposto a situação inusitada, dificilmente dá resposta criativa. Dá o que pode dar – resposta do tamanho de seu cercadinho. Albert Einstein sintetizou com talento do gênio o destino mesmeiro: “É insanidade esperar resultado diferente do que é feito sempre igual”.
A conclusão vale para a língua. A criança que só conhece a palavra casa pra designar o lugar onde se vive, comunicar-se-á sem dificuldade. Dirá casa em qualquer circunstância e será entendida. Pode chegar aos 60, 70, 90 anos com o mesmo vocabulário – e o mesmo desempenho.
Se, porém, aprender outros vocábulos da mesma área semântica, poderá escolher o mais adequado ao recado que quer transmitir. Casa, lar, residência, domicílio, vivenda, pouso, pousada, moradia, habitação, morada, mansão, apartamento? Cada um tem sua nuance. E sua vez. Não se trata de certo ou errado. Mas da escolha mais feliz para o contexto.
O conceito de língua traz implícita a escolha. “Língua”, dizem os linguistas, “é um sistema de possibilidades.” Generosa, ela põe à disposição do usuário leque milionário de opções. Mas só se beneficia da riqueza quem as conhece e lhes domina os mistérios.
É como se, ao longo da aprendizagem, a pessoa subisse degraus de uma escada muito alta. Quanto mais próxima do topo, mais ampla a visão, maior a oferta e, claro, mais vastas as possibilidades. Lá em cima, poderá escolher até não escolher. É o exercício da liberdade.
Cabe à escola conduzir o aluno na aventura da escalada. Ele só chegará ao cume quando dominar a norma culta. Poderá, então, livrar-se da polarização certo/errado e navegar no adequado/inadequado. Poliglotas na nossa língua, “não falamos português”, como frisava José Saramago, “falamos línguas em português”.
Quantas? Depende dos degraus que avançamos. Os exames de avaliação aplicados pelo MEC desestimulam otimismos. Deficiências não sanadas nos primeiros anos cobrarão juros ao longo da vida. O excluído do direito de aprender será o excluído das boas universidades, dos bons empregos, do acesso ao andar de cima. Será alvo fácil de discursos vazios veiculados nas campanhas eleitorais. Sem escolha, porque lhe foi roubada a possibilidade de ver do alto, elegerá quem perpetua a pobreza.