Palalelismo: lé com lé

Publicado em português

O corpo fala. E dá lições. Uma delas: as partes que exercem função igual têm estrutura igual. No rosto, temos dois olhos, dois ouvidos, duas narinas. Um par exerce o mesmo papel que o outro. Os olhos veem. Os ouvidos ouvem. As narinas cheiram.

Por exercerem a mesma função, o casalzinho tem a mesma forma. Um olho é do tamanho e da cor do outro. Um ouvido é do tamanho e formato do outro. Uma narina tem a cara e o focinho da outra.

No resto do corpo, a história se repete. Temos duas mãos, dois braços, dois pés e duas pernas. Um e outro exercem a mesma função. As mãos seguram. Os braços abraçam. Os pés pisam. As pernas andam. Por isso, têm a mesma forma. Um braço é gêmeo univitelino do outro. Braços, pés, pernas e dedos também.

A língua é boa aluna. Sabida, aprende a lição do corpo rapidinho. Termos e orações com funções iguais ganham estruturas iguais. Por exemplo: se o verbo pede dois objetos diretos, há dois caminhos. Um deles é dar-lhes a forma de nome. Outra, de oração.

Veja:

O presidente negou interesse na ida a Roma e que o governo esteja sem rumo.

Negar é transitivo direto. Pede objeto direto. No caso, são dois objetos. Um: o interesse na ida a Roma. O outro: que o governo esteja sem rumo.

Reparou? Houve desrespeito à lei do paralelismo. Os dois — interesse na ida a Roma e que o governo esteja sem rumo — são objetos diretos do mesmo verbo (negar). Mas têm estruturas diferentes. Um é nominal (sem verbo). O outro, oracional (com verbo).

Em suma: misturaram-se alhos com bugalhos. Para corrigir o aleijão, só há uma saída — dar a mesma estrutura aos dois objetos:

Estrutura nominal: O presidente negou interesse na ida a Roma e falta de rumo no governo.

Estrutura oracional: O presidente negou que tivesse interesse na ida a Roma e que o governo estivesse sem rumo.

Para algo estar paralelo, uma condição se impõe. É necessário que haja mais de um. A W3 é paralela à W2, W1, W4 e W5. A L2 é paralela à L1, L2, L3, L4 e L5. A pista do Eixão que vai em direção ao aeroporto é paralela à que vem em direção à Rodoviária. Um trilho do trem é paralelo a outro.

Na língua, os termos paralelos também exigem mais de um — mais de um sujeito, mais de um objeto, mais de um adjunto, mais de uma oração:

  1. Paulo e Luís estudam na universidade.
  2. Gosto de cinema, teatro e televisão.
  3. Os trabalhadores precisam assegurar o poder de compra dos salários e manter a garantia do emprego.

Reparou? Os termos paralelos vêm separados. Para isolar um do outro, há duas saídas. Uma: recorrer à vírgula. A outra: pedir ajuda à conjunção coordenativa.

E que

É aí que a porca torce o rabo. Muitas vezes o e aparece antes do quê. O quezinho pode ser conjunção ou pronome relativo. Num caso e noutro, impõe uma condição. O e que só terá vez se aparecer o primeiro que, claro ou subentendido. Se aparecer um e que solitário, tenha certeza. O paralelismo foi desrespeitado.

Veja um exemplo:

As pesquisas revelam grande número de indecisos e que pode haver segundo turno nas eleições argentinas. 

Cadê o primeiro quê? O gato comeu. Sem ele, nada feito. O segundo não tem vez .E daí? Há dois jeitos de corrigir o aleijão.

Um: mandar o e que pras cucuias:

As pesquisas revelam grande número de indecisos e a possibilidade de segundo turno nas eleições argentinas.

O outro: convidar o primeiro quê a figurar na frase:

As pesquisas revelam que há grande número de indecisos e que pode haver segundo turno nas eleições argentinas.

Eis outro exemplo:

Os trabalhadores precisam assegurar o poder de compra dos salários e que seja mantida a garantia de emprego. 

Juntando lé com lé, cré com cré, temos:

Os trabalhadores precisam assegurar o poder de compra dos salários e manter a garantia de emprego.

Os trabalhadores precisam assegurar que o poder de compra dos salários seja mantido e que seja garantido o emprego. 

Mais um:

O acusado negou seu interesse no programa e que o telefonema do traficante tivesse alguma relação com a CPI. 

Pondo os pontos nos ii, temos:

O acusado negou  interesse no programa e a relação do telefonema do traficante com a CPI.

O acusado negou que tivesse interesse no programa e que o telefonema do traficante tivesse alguma relação com a CPI. 

Em suma: o e que é como Cosme e Damião. Anda sempre acompanhado. De quem? De outro quê.