Olhar de ver

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Dad Squarisi

Estive com García Márquez três vezes. A convite da Fundação Nuevo Periodismo, participei de oficinas em Cartagena sobre jornalismo para a paz. A Colômbia vivia em guerra, com sequestros que mantinham a população refém do medo. Ele, dono da casa, dava boas-vindas e conversava com o pequeno grupo. Vestia-se de branco da cabeça aos pés. Nem a pulseira do relógio fugia à regra.

O olhar do escritor foi o que mais me encantou. Ao conversar com alguém, ele lhe dedicava atenção plena. Os olhos, em nenhum momento, se desviavam em passeios vadios que expulsam o interlocutor. Nas sessões de autógrafo, sem ligar pro tamanho da fila, negava-se a redigir dedicatórias genéricas.

Indagava quem era a pessoa, o que fazia, do que gostava. Depois, mandava recado particular. O presidente do jornal recebeu o aposto “o homem que manda”. O diretor de finanças, “o dono do dinheiro”. O repórter, “o que corre atrás”. Esperei pacientemente a minha vez. Não me perguntou quem eu era. Havíamos conversado durante o curso.

Mas me mirou longamente. Baixou a cabeça, esboçou um desenho e escreveu “Uma flor para Dad”. Colega equatoriana que estava a meu lado se dirigiu a ele com voz invejosa. “Eu também quero”, gemeu suplicante. Ele largou a caneta sobre o livro, observou a moça com firmeza e surpreendeu: “A Olga, que quer uma flor, eu dou duas”. E deu.