O carnaval ensina lições

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O carnaval acaba hoje. Ano após ano, um país não sai de cartaz. Trata-se do Egito. A terra dos faraós aparece aqui e ali nos enredos e nas escolas. O Egito tem fama. E pode dormir na cama. Ali viveu Cleópatra, que despedaçou corações imperiais. De lá veio Nefertite, a mais perfeita obra de arte de todos os tempos. Lá estão as pirâmides que desafiam o tempo. Pelo deserto, corre o Nilo, fio de água que fertiliza a terra torrada.

O país experimentou a ira de Deus. Por quê? O faraó escravizou os judeus. Negava-se a libertá-los. O Senhor, impaciente, castigou-o. Puniu a desobediência com 10 pragas. Transformou água em sangue. Derramou três dias de trevas sobre a nação. Matou, numa noite, todos os primogênitos. E por aí foi. O governante, vencido, cedeu.

A língua também tem suas pragas. São vícios. Surgem tímidos. Depois, ganham espaço no rádio e na TV. Alastram-se. Aí, não dá outra. Enfeiam a língua. Irritam os falantes. Provocam o Todo-Poderoso. O exemplo egípcio manda pôr as barbas de molho. Antes que o Paizão perca a paciência, cuidemos da linguinha nossa de todos os dias.  

Primeira praga

Gerundismo. Cuidado. Esse vício não tem perdão. Se você é do time que diz ‘vou estar mandando’, ‘vou estar providenciando’, ‘vou estar podendo fazer’, só tem uma saída. Use as formas portuguesas ‘vou mandar ou mandarei’, ‘vou providenciar ou providenciarei’, vou poder fazer ou poderei fazer’. Se se fizer de bobo, prepare seu rico corpinho. Ele vai arder no mármore do inferno por toda a eternidade. Deus o livre!  

Segunda praga

Eu adéquo. É a desmoralização. O adequar já manchou até a reputação do Aurélio, o dicionário. Na 1ª edição, o pai de todos nós conjugou o verbinho errado. Na outra tiragem, corrigiu o tropeço rapidinho. Mas o mal estava feito. Desmoralizou-se. Não faça como ele. Só use o adequar nas formas em que a sílaba tônica cai depois do q: adequar, adequamos, adequará, adequei, adequava, adequasse, adequarmos, adequaria.  

Terceira praga

Seje, esteje. Xô, satanás! A troca do a pelo e só pode ser coisa do demo. Ele está louco para aumentar a população do inferno. Espalhou a praga. O mal pegou. Os contaminados pagam preço pra lá de caro. Adiam promoções. Perdem amores. Sujeitam-se a gozações. Caia fora. Dê ao verbo o que é do verbo — a terminação a: que eu seja, ele seja, nós sejamos, eles sejam; eu esteja, ele esteja, nós estejamos, eles estejam.  

Quarta praga

Houveram. Aiiiiiiiiiiiiiiiiii! Que dor! O ouvido grita. Geme. Depois, bate pé. Exige respeito. No sentido de ocorrer ou existir, o houveram não tem vez. Corte-o do seu vocabulário. O ouvinte lhe agradece: Houve (jamais houveram) confusões com os passageiros de ônibus do Distrito Federal. Houve menos candidatos que o esperado. Nunca houve tantas denúncias no país.

Quinta praga

Se eu deter, trazer, pôr, ver. Cadê meu pai? Sou o futuro do subjuntivo. Nasci do pretérito perfeito. Minha mãe é a 3ª pessoa do plural menos o -am final. Ninguém de casa pula o muro: ontem eu detive, ele deteve, nós detivemos, eles detiver(am) (se eu detiver); eu trouxe, ele trouxe, nós trouxemos, eles trouxer(am) (se eu trouxer); eu pus, ele pôs, nós pusemos, eles puser(am) (se eu puser); eu vi, ele viu, nós vimos, eles viram (se eu vir)

Sexta praga

De formas que. Já pra rua, s intruso! As locuções conjuntivas (terminadas por que) rezam na cartilha das conjunções (que, porque, se, quando). São invariáveis. Não aceitam plural nem a pedido de todos os santos: Estava preparado, de forma que se saiu bem na prova. A chuva refrescou a cidade, de maneira que trouxe conforto aos moradores. O projeto não a satisfez, de modo que precisou fazer outro.  

Sétima praga

A nível de. Tudo vale. Alho, crucifixo, banho de sal grosso ajudam a manter longe a tentação. Recorra a todos os santos. Peça-lhes distância do a nível de. A razão e simples. É tentação das forças ocultas. As locuções são em nível de (no âmbito de) e ao nível de (à altura de): Vitória fica ao nível do mar. A decisão só poderá ser tomada em nível de diretoria.  

Moral da história

Os egípcios quiseram testar o Senhor. Levaram na cabeça. Com eles, aprendemos a lição: manda quem pode. Obedece quem tem juízo. Em outras palavras: o chefe tem sempre razão.