A reforma política está em debate. Deputados rimam. Falam em distritão e fundão. Mas, como ninguém se entende, continua tudo como dantes no quartel de Abrantes. Programas de partidos políticos vão ao ar em horário nobre. Com eles, volta ao cartaz um pluralzinho pra lá de especial. Uns o chamam de plural de modéstia; outros, de majestático. No fundo, no fundo, ele não passa de um enganador. É singular. Mas faz de conta que não está nem aí pro número a que se refere.
Processo
A pessoa usa nós, mas quer dizer eu. Assim, como quem não quer aparecer. Antes, o recurso era empregado por reis, papas e dignitários da Igreja. Daí o nome majestático. Depois, baixou de status. Oradores passaram a socorrer-se dele como expediente retórico. Só pra impressionar.
É o caso daquele político que, no comício na cidadezinha do interior, disse:
— Nós queremos ser bondoso e competente.
Reação
O povo se entreolhou. Pensou que o candidato fosse analfabeto de pai e mãe. Talvez fosse. Mas, ali, o homem usou o plural de modéstia. O verbo concorda com o sujeito de fachada (nós), mas o adjetivo, que não é bobo, concorda com o sujeito verdadeiro – eu. Parece erro de concordância, não? Em língua de gente sem falsidade, diríamos:
— Eu quero ser bondoso e competente (referência a uma pessoa).
— Nós queremos ser bondosos e competentes (referência a mais de uma pessoa).
Mais exemplos? Imagine estas frases na boca do hóspede do Palácio do Planalto. Elas servem como luva para a plural majestático:
— Nós somos presidente de todos os brasileiros. (Eu sou presidente de todos os brasileiros.)
— Nós somos moderno e amigo do povo. (Eu sou moderno e amigo do povo.)
Sem falsidade
Viu? O pseudomodesto fica no muro. Meio lá, meio cá. O verbo vai para o plural. Os adjetivos e substantivos não. Olho vivo! Você é estudante, concurseiro, funcionário público, profissional liberal? Deixe o plural majestático pra lá. Ele dá a impressão de erro. E a língua, como a mulher de César, não só tem de ser correta. Tem de parecer correta.