Em que isso beneficia o pobre?

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DAD SQUARISI // dad.squarisi@correioweb.com.br

 
Assessores próximos do presidente dizem que Lula é ouvinte atento. Sempre que alguém lhe apresenta um projeto, ele olha nos olhos do interlocutor, acompanha a exposição com interesse e faz perguntas até entender o assunto. Por fim, indaga firme:
 
— Em que isso beneficia o pobre?
 
A proposta só avança se tiver resposta convincente. Estranha, por isso, o aval do Planalto à reforma ortográfica. As mudanças frustram ideais, trazem decepções e causam prejuízos. Não uniformizam a grafia das palavras no mundo lusófono. Assim, cai por terra a desculpa de que documentos firmados em organismos internacionais passariam a ser escritos em uma só língua (hoje se escrevem no português do Brasil e no de Portugal). A reforma adotou a flexibilidade. Respeitou as diferenças. Assim, os portugueses continuarão a grafar sector; nós, setor. Eles usarão agudo em António e cómodo. Nós, circunflexo.
 
No mais, as alterações são tímidas, capengas e incompletas. O acordo tornou de direito o que é de fato ao reintroduzir o k, o w e o y no alfabeto. Manteve acentos diferenciais no pôde e no pôr. Eliminou o agudo dos ditongos abertos só nas paroxítonas (ideia, joia). As oxítonas e os monossílabos tônicos conservarão o sinal (herói, papéis, dói). O emprego do hífen, que poderia ter sido simplificado, conserva a confusão. Trocou seis por meia dúzia.
 
Procede, pois, a dúvida. O presidente fez a pergunta habitual? Talvez não. Se a tivesse feito, os conselheiros o teriam alertado para os prejuízos que a reforma trará sobretudo aos menos favorecidos. Não pra um ou outro, mas pra comunidades inteiras. Municípios pobres fizeram enorme sacrifício pra prover as bibliotecas públicas e as escolares de pelo menos um dicionário e uma gramática. Muitos conseguiram pôr um kit de consulta em cada sala de aula. Agora, o esforço vai pro lixo. Livros didáticos que eram reaproveitados terão o mesmo destino. Quem se beneficia do desperdício? Com certeza não é o pobre. Nem o rico.
 
(artigo publicado na editoria de Opinião do Correio Braziliense)