Autor: Dad Squarisi
“A indústria alimentícia recruta uma legião de de consumidores com base em publicidade massiva”, escrevemos na pág. 12. Bobeamos. Massiva é ilustre desconhecida dos dicionários. Não existe em português. Na língua nossa de todos os dias, a forma é maciça.
Volta e meia pinta a expressão não obstante. Ela impressiona, mas confunde. Quer usar a duplinha? Então vale a pena ganhar intimidade com ela. Não obstante tem idéia adversativa. Joga no time do mas, porém, todavia, contudo, apesar de, no entanto: Não obstante a proibição, motoristas continuam a dirigir embriagados. Não obstante o atraso, o público aplaudiu o cantor. Não obstante o cansaço, […]
Rubem Braga escreveu muitas crônicas. Uma ficou famosa. É “Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim”. Ao longo do texto, ele faz várias perguntas. Uma delas: como se chama quem nasce no Cairo? A resposta quebrou a cabeça de muita gente. Ei-la: é cairota.
Diana faz salgadinhos. Pra vender mais, pensou entregar o produto na casa do cliente. Resolveu, então, escrever uma faixa com a novidade. Mas pintou a dúvida. O texto seria ‘‘entrego a domicílio’’ ou ‘‘entrego em domicílio’’? A gente entrega em escola, em hospital, em supermercado. Por que domicílio fugiria à regra? Não foge. Ele é temente à lei. Na Constituição brasileira, discriminação é […]
A pé tem crase? Olho vivo! O sinalzinho indica o casamento da preposição a com outro a. Em geral, é o artigo a. Ora, pé é ilustre senhor machinho da silva. Só se faz acompanhar do artigo o (o pé). Sem o a, nem Deus consegue pôr o acento no solitário.
Um texto limpo não cai do céu, nem salta do inferno. Nasce de trabalho, humildade, desapego e muita, muita faxina. Como diz o outro, 10% de inspiração e 90% de transpiração. A escrita enxuta tem segredos. Um deles: livrar-se do artigo indefinido. Um, uma, uns, umas fazem senhores estragos. Tornam o substantivo impreciso e molengão — mais ou menos como Sansão sem cabelo. […]
“O horário de funcionamento é das 9h às 22h, de segunda à sexta”, escrevemos na pág. 41. Que traição, hein? Misturamos casais até hoje pra lá de fiéis. Um deles é formado de preposição mais artigo (da…à). O outro, de preposição pura (de…a). Que tal apaziguar as distintas famílias? Escrevamos: O horário de funcionamento é das 9h às 22h, de segunda a sexta.
“De fato, a evolução desse déficit merece atenção, mas, antes que signifique sinal amarelo, deve-se fazer várias ressalvas”, escreveu o editorial do Globo. Ops! O texto tropeçou numa das mais perigosas ciladas da língua. Trata-se da passiva sintética — aquela construída com o pronome se. Como o sujeito costuma vir depois do verbo, o redator o confunde com o objeto. Dá no que dá. […]
“Não imite escrivães. Faça como Shakespeare, que com seis palavras — necessárias, precisas, específicas, concisas, simples e tão curtas que a maior tem três letras — escreveu isto: `To be or not to be´. (Não vale alegar que a língua inglesa é mais enxuta. Na tradução para o português há apenas quatro palavras: `Ser ou não ser´).