A vez do ponto

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“Na dúvida, use ponto”, aconselha o Manual de Estilo da Editora Abril. O Resende leu. E guardou. Outro dia, ele se deliciava com um livro do José Saramago. Em A Caverna, o autor português mantém uma marca registrada — longos períodos separados só por vírgula.

Eis um:

“Há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pregados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa…”

Resende fez um teste. Seguiu a regra da Abril. Usou pontos. O resultado:

Há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir além da leitura. Ficam pregados à página. Não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio. Se estão ali é para que possamos chegar à outra margem. A outra margem é que importa.

Valeu o exercício. Mas tamanho da frase não preocupa os mandachuvas da literatura. O escritor tem licença poética. Segue as regras da inspiração.
Além disso, há aquela história de estilo… Eles podem tudo. Até atropelar a gramática.

Para os mortais, o buraco é mais embaixo. Estudantes, jornalistas, funcionários públicos, empregados de empresas não escrevem para emocionar. Mas para ser entendidos. Ao menor tropeço, lá vem a conta. Vestibulandos perdem a vaga. Servidores levam puxão de orelha. Executivos deixam a promoção pra outro. É um pega-pra-capar.

A frase curta dá uma ajudinha. Ela tem duas vantagens. Uma:diminui o número de erros. (A vírgula e a concordância armam menos ciladas.) A outra: torna o texto mais claro. E clareza é, disparado, a maior qualidade do estilo. E não é de hoje. Montaigne, há 400 anos, ensinou: “O estilo deve ter três qualidades: clareza, clareza, clareza…

Como chegar lá? Como fugir das frases que se perdem no caminho? Vinicius de Moraes deu a receita: “Uma frase longa”, disse ele, “não é nada mais que duas curtas”. Desmembre as compridonas. Use ponto. Damos-lhe duas dicas:

1. Substitua o gerúndio por ponto:

Prefeitos recém-empossados baterão às portas da Câmara dos Deputados no início de fevereiro para alterar artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal podendo, se tiverem êxito, gastar mais do que arrecadam, fazendo farra com o dinheiro público.

Com um chega pra lá no gerúndio, o período fica assim:

Prefeitos recém-empossados, cheios de dívidas, baterão às portas da Câmara dos Deputados para alterar artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se tiverem êxito, poderão gastar mais do que arrecadam. Aí, farão farra como dinheiro público.

2. Transforme a oração coordenada em novo período:

Vasco e São Caetano prometiam partida emocionante na decisão da Copa João Havelange, no entanto o tumulto das arquibancadas pôs fim à expectativa dos torcedores de assistir a um belo espetáculo.

Com o ponto, dá pra respirar fundo. Ah, coisa boa!

Vasco e São Caetano prometiam partida emocionante na decisão da Copa João Havelange. No entanto, o tumulto das arquibancadas pôs fim à expectativa dos torcedores de assistir a um belo espetáculo.

Só frases curtas têm vez? Claro que não. Dê preferência às danadinhas. Mas não casse as longas. Fique com a coluna do meio.