QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? XVI – responde Lúcio Cruz
Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.
Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.
Lúcio Cruz, de Paraty, filho e neto de moradores da terra, artista plástico, trabalha há cerca de 35 anos com palpel machê numa obra voltada para a cultura, não só a local, como a do Brasil
Sobre a culinária de Paraty tem uma receita muito especial que é o Lambe-lambe, que hoje você já não encontra mais, a não ser, talvez, em algumas casas de pessoas locais que ainda a façam, mas não tem nos restaurantes.
Os almoços com o Lambe-lambe eram o momento para reunir a família, ao redor do panelão da mariscada. Receita que minha mãe aprendeu a fazer com a minha avó.
Ele é feito com o sururu, parente do mexilhão, muito parecido, mas ele só dá no mangue, envolto em um tipo de cipó bem fininho. Em comparação ao mexilhão o sururu tem um sabor especial, bem mais forte, tem mais maresia. Tanto que quem não está acostumado a comer acaba passando um pouquinho mal. É que é tão gostoso que você come demais.
Para fazer é preciso limpar bastante a casca com uma escovinha, depois deixar de um dia para o outro em uma bacia com água limpa para filtrar todas as impurezas.
Numa boa panela grande, porque você vai fazer bastante para a família toda, coloque cebola, alho, muito coentro, bastante tempero, acrescente água e ponha para refogar junto com os sururus. Eles vão abrir as conchas, soltando a água interna e absorvendo os temperos.
Aí se acrescenta o arroz para cozinhar naquele caldo. Coloca mais água porque o arroz tem de ficar papa. Daí é isso, deixa ali cozinhar e quando estiver pronto é só comer.
Vai comer com a mão. O sururu vai estar dentro da casca envolto com o arroz e os temperos. Aí vai com a língua lambendo, lambendo e se lambuzando. Por isso que se chama Lambe-lambe. E a pessoa às vezes come até demais, porque é muito gostoso!
A receita pode ser feita também com o mexilhão que tem o sabor mais suave, com menos maresia.
Para sobremesa recomendo os doces daqui de Paraty, como o Manuê de Bacia, o Massa Pão ou o Pé de Moleque de gengibre. Quando criança eu ajudava minha mãe a fazer o Puxa-puxa de melado, que vai puxando e esticando, enquanto está quente, até dar o ponto “puxa”.
Estando em Paraty estes doces podem ser encontrados na Padaria do Zuzu, no letreiro está escrito Padaria Esperança. Fica no Centro Histórico, esquina da rua Tenente Francisco Antônio com a rua Comendador José Luiz.
DICA DO SOMMELIER: para harmonizar com o Lambe-lambe uma cachaça de Paraty, de preferência uma envelhecida em madeira, ou uma caipirinha feita no capricho com uma cachaça Prata.
– Pé de moleque de gengibre: melado da cana de açúcar, farinha de mandioca e gengibre
– Massa Pão- coco ralado, calda de açúcar e ovos
– Manuê de Bacia – é um bolo meio solado, feito com melado da cana, farinha de mandioca e farinha de trigo.