Como o sorvete acendeu o rastilho do movimento de liberação feminina no Brasil
No ano de 1834, no Rio de Janeiro, nem a iluminação das ruas com lampiões já havia sido completada. D. Pedro II ainda não exercia o comando do Império, que neste ano passaria de uma Regência Trina para a de um único Regente.
Mas o calor dos verões cariocas já estava lá e o empreendedor e comerciante Lourenço Fallas resolveu oferecer aos seus clientes um produto que eles não conheciam e nem sabiam que precisavam muito, o refrescante e gelado sorvete.
Assim, em 23 de agosto de 1834, inaugurou duas lojas, as primeiras sorveterias do país, uma no Largo do Paço e a outra na Rua do Ouvidor.
Já, após 132 anos, em 1966 fui estudar no Colégio Estadual Amaro Cavalcante no Largo do Machado. E lá, em um dos lados do quadrilátero do Largo, tinha um Bob’s, a primeira rede de lanchonetes deste estilo americano que tivemos no Brasil. Voltava para casa a pé para economizar um dinheirinho para comprar uma casquinha de sorvete. Eram apenas 3 sabores, baunilha, chocolate e o misterioso pistache. Nunca tinha ouvido falar dele, mas o sorvete era verde, logo deduzi, pistache era abacate em italiano.
Mas, lá em 1834, as máquinas de fazer gelo ainda não haviam sido inventadas, produzir sorvete nos trópicos não seria uma atividade simples. O gelo tinha de ser importado e a primeira carga, de 217 toneladas, veio de Boston, EUA, a bordo do navio Madagascar.
Nas sorveterias os blocos de gelo eram conservados cobertos por serragem nas chamadas casas de gelo, depósitos subterrâneos, alguns no sopé do Morro do Castelo, que permitiam sua preservação por de 4 a 5 meses.
Não consegui confirmar, mas acredito que o sorvete na época era uma raspadinha de gelo acrescida do suco das nossas frutas tropicais, sendo que o sorvete de pitanga era o preferido do Imperador D. Pedro II.
Mas não havia como conservar o sorvete gelado depois de pronto, assim o seu consumo deveria ser imediato. Para que isso fosse possível as sorveterias anunciavam a hora certa em que ele seria servido. Os primeiros consumidores reclamaram do sorvete “queima a língua!” Mas logo se acostumaram.
Um efeito colateral totalmente inesperado foi que as mulheres, para quem tudo era proibido, inclusive frequentar os bares, cafés e confeitarias, até então reservados apenas para os homens, passaram a ir juntas nestes estabelecimentos para provarem a deliciosa novidade.
Desta forma, para tomar sorvete as mulheres somaram suas forças e praticaram um dos primeiros atos de rebeldia contra a estrutura social vigente, e talvez, até sem saber, iniciaram o movimento brasileiro para a liberação feminina.
São muitos os temas pelos quais me deslumbro e me despertam interesse, e as palavras, seus significados e etimologia estão no pódio. Então fui procurar a origem do nome “sorvete”.
Do árabe “shurba”, suco de frutas, viajou e chegou na Turquia como “sherbet”, para designar as bebidas frias. Vai para cá e vai para lá, passou pela Itália como “sorbetto” e, no início do século XVIII, se encontrou na França como “sorbet”.
Chegando no Brasil, numa soma de sorver, forma de consumir, mais o sorbet francês, o nome do produto se transformou em sorvete. Vamos então ter o prazer de sorver um sorvete!
2 thoughts on “Como o sorvete acendeu o rastilho do movimento de liberação feminina no Brasil”
Que história deliciosa e divertida de ler!
obrigado