Nada mais incerto que a prisão de uma certeza absoluta
Não sou chegado a certezas absolutas. Assim como não convivo bem com os que as ostentam.
Certezas absolutas não permitem contestação ou revisão. Passam a ser dogmas, sabenças indiscutíveis, que dispensam comprovação da sua autenticidade ou, ainda pior, esta turma ignora as evidências em contrário ao seu conhecimento transordinário.
Aí sou obrigado a escutar em pleno 2024 a afirmação de que “vinho nacional não presta!” Em que década do século passado este sujeito está congelado?
Como demonstrar categoricamente ao aferrado a tempos primitivos que sua afirmação categórica é uma balela?
Resposta: degustação às cegas, onde os degustadores não possuem qualquer conhecimento sobre os vinhos que estão em suas taças. Nada! Nem país, uva, preço, estilo, etc. Podemos considerar até como sendo um exercício de humildade para os profissionais da área.
Degustação marcada. Cada participante traz o vinho do país que deseja. Regras: todos da mesma uva e dentro de uma mesma faixa de preço. Detalhe, as garrafas devem ser entregues reservadamente ao Sommelier, que as numera e oculta o rótulo com papel alumínio.
Os vinhos vão sendo degustados e comentários de cada prova são solicitados. Quando chega a vez do único rótulo brasileiro, lógico que levado por mim, o tal degustador dogmatista cheira o vinho e já exclama um “AÍ SIM!” Prova novamente e afirma em voz alta, aliás bem alta, uma característica dos absolutistas: “AÍ É FÁCIL! VINHO FRANCÊS É OUTRA COISA!
Tive vontade de rir. Na verdade eu ri mesmo. Mas ainda riria mais depois.
Algum leitor mais atento pode estar se perguntando como eu poderia saber que naquele momento era o vinho brasileiro que estava sendo avaliado. É que eu era o Sommelier da organização.
Hora da verdade, momento de revelar os vinhos. Nosso conhecido das certezas absolutas, aquele para quem nenhum vinho nacional presta, tem um choque, elogiou e colocou em destaque um representante tupiniquim.
Lembram que falei da humildade? Não era o caso. O choque foi de menos de 3 segundos. Logo sua certeza absoluta o socorreu. Olhou bem para mim e decretou: “VOCÊ TROCOU A GARRAFA PARA ME ENGANAR!” E suspirou aliviado por poder continuar se mantendo inconquistável e aferrado às suas convicções.
Poderia ter me ofendido ou até ter tido raiva ou pena dele, mas é difícil ter estes sentimentos quando estamos rindo do ridículo de uma opinião que nada significa. Continuo firme no meu intuito, mesmo de pequeno alcance, de “estimular o pensamento e derrubar preconceitos”. Olha eu aqui citando Freud!
Moral da história: não gaste seu bom vinho nacional com gente birrenta e cabeça-dura.