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ANA HICKMANN E O ANZOL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA (série – quinto e último texto)

Publicado em Psicologia, Relacionamento abusivo, Relacionamento amoroso, Relacionamentos tóxicos

Este é o quinto e último texto da Série ANA HICKMANN, que comecei em janeiro por sugestão de leitores deste blog que não conseguiam entender como alguém que parecia viver em harmonia com o marido havia passado por um rompimento que envolveu até a polícia. E, como venho frisando, não falo especificamente sobre o casamento dela, mas aproveitei a curiosidade que o caso despertou para provocar reflexões sobre violência doméstica.

 

O ponto de partida para a série foi uma entrevista dada pela modelo ao Domingo Espetacular, rica na descrição de padrões de comportamento identificados em relacionamentos de abuso. E, como venho repetindo, não sou jornalista, sou psicóloga. Não estou nem afirmando nem tentando esclarecer se o narrado por Ana Hickmann é ou não verdade. Portanto, não preciso ouvir o outro lado. Isso é assunto para a Justiça. E, embora nos meus textos eu me refira a mulheres heterossexuais, o que eu aqui disser vale para relações entre pessoas cis ou não, independentemente da identidade ou da orientação sexual.

 

Hoje vamos falar sobre um anzol poderoso que mantém muitas mulheres presas a relacionamentos já acabados – as perguntas jamais respondidas. Estou sempre recebendo no consultório pacientes que chegam perdidas e exaustas, tentando desvendar o mistério que levou o parceiro a por fim a uma relação que “tinha tudo para ser pra sempre”. Elas buscam a terapia exatamente para que eu diga o que teria acontecido com o ex-parceiro. Chegam contando tudo o que sabem sobre a infância dele, as dificuldades, os traumas. Têm várias teorias que poderiam explicar o comportamento dele e esperam que eu esclareça o que aconteceu.

  

Claro que há mulheres que fazem da vida do companheiro um inferno. Mas há aquelas que são tremendas companheiras na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Lembro de uma que caminhava para os quarenta anos e havia reencontrado um amigo de infância, iniciando com ele um caso de amor digno de telenovela. Ela estava perdidamente apaixonada, sentia como se os dois tivessem sido unidos pelo destino, predestinados a ser felizes, a envelhecer juntos. Nem a morte os separaria!

 

 Como eles não eram mais tão jovens, traziam suas bagagens de vivências felizes e infelizes. Ela era muito bem resolvida profissionalmente, já havia sido casada, mas não tinha filhos. Ele vinha de dois casamentos fracassados, duas ex-mulheres que pareciam ter fugido de um hospital psiquiátrico e filhos que dependiam dele pra tudo. Mas nada disso a intimidou porque ela sentia que o que havia entre os dois era forte demais e valia a pena ajudá-lo no que ela considerou que era só uma fase difícil.

 

 Entre eles, não havia segredos e ele se sentia super à vontade para conversar com ela sobre as crises com as ex. Ela o ouvia e procurava ajudá-lo sempre com muita delicadeza, para que ele não se sentisse diminuído; conversava também com os filhos dele, conseguia estágio para um, psicólogo para outro, acordava durante a noite para acudir os pequenos quando eles choravam, e algumas vezes o ajudou no pagamento de pensões alimentícias E tudo isso sem se descuidar do seu papel de amante ardorosa.

  

Só que, quando a fase mais difícil passou e eles pareciam plainar num céu de brigadeiro, ele começou a ficar estranho, distante. Ela procurava entender o que estava acontecendo, mas as respostas dele eram bem vagas. Ele dizia que ela era a mulher mais fantástica que ele havia conhecido, que era maravilhosa, uma tremenda companheira, e que não conseguia explicar o que estava se passando, que deveria ser estresse, resgate de algum carma ou algum trabalho feito, provavelmente por uma ou pelas duas ex-mulheres.

  

Claro que ela se prontificou a ajudá-lo sugerindo terapia, o que ele refutava argumentando que “ele mesmo resolveria a própria cabeça”, e o acompanhando em consultas a videntes, terreiros de Umbanda e Candomblé, igrejas católicas e evangélicas. Qualquer coisa que pudesse solucionar aquele problema. Só que, de repente, ele começou a ver defeito em tudo nela e a reclamar até das coisas mais bobas como um ovo frito que não havia ficado com a gema mole.

 

 E, em um “belo” dia, dizendo que precisava de um tempo para pensar, sem nenhuma explicação plausível, ele acordou cedo, fez as malas e voltou para a última ex-mulher, a que mais os havia infernizado, a que largava os filhos pequenos com eles sempre que arrumava um novo namorado. Daí a ela chegar ao meu consultório, já haviam se passado quatro loooooongos anos de perguntas sem resposta, de estarrecimento, de depressão, de paralisia perante a vida, de envelhecimento precoce, de falta de brilho no olhar. Ela havia se transformado num espectro, em alguém que nem de longe lembrava a mulher que imaginava ter reencontrado o grande amor.

  

E foi com as perguntas “O que você acha que pode ter acontecido?”; “Será que, mesmo tentando ser esposa, mãe, amiga, companheira, eu deixei algo por fazer?”; “Será que eu o assustei tentando ser a Mulher Maravilha e não dando espaço para que ele se sentisse um homem com ‘H’?” “Será que ele se sentiu intimidado pela minha capacidade de administrar a vida dele melhor do que ele mesmo”; “Será que ele não conseguiu superar o trauma de ter sido abandonado pelos pais quando ainda era bem pequeno e não se acha merecedor de ser amado?”.

 

A resposta que ela tanto desejava poderia estar ou não em qualquer uma das teses por ela mesmo desenvolvidas. Mas isso não tinha a menor importância. O que realmente importava era o que a estava mantendo presa a um homem que não queria mais estar na sua vida. Esta era a questão para a qual ela deveria se voltar – o que estava acontecendo com ela. Porque o que havia acontecido com ele era um problema dele. Simples assim!

 

Com a terapia e o acompanhamento psiquiátrico para tratar a depressão que a assolava, ela voltou a sorrir e se tornou uma mulher bem mais preparada, pronta para finalmente seguir em frente e não perder mais tempo, como dizia minha mãe, acendendo vela pra defunto ruim. Esse é o objetivo de uma terapia, o autoconhecimento que liberta, que fortalece, que responde a perguntas que verdadeiramente importam, que nem a traça nem a ferrugem consomem e nem ladrões podem roubar.

 

A Vida não acontece como queremos que ela aconteça. A Vida acontece como precisa acontecer. Algumas situações estão nas nossas mãos e dela devemos nos ocupar. Mas outras estão totalmente fora do nosso controle e essas não merecem o nosso cuidado, o nosso tempo, a nossa energia. Dessa forma, se não sabemos diferenciar umas das outras ou se ficamos paralisados diante de um “NÃO”, devemos procurar ajuda. Porque não há mal que sempre dure, mas, cá entre nós, quanto mais cedo ele terminar, melhor será.

 

Sugiro a leitura de todos os posts da série nesta ordem, bastando, para isso, que você clique nos títulos: ANA HICKMANN E O IMPACTO DA ANCESTRALIDADE; ANA HICKMANN, ROBERTO CARLOS E A FOLHA CAÍDA NA CORRENTEZA; ANA HICKMANN E OS ANZÓIS NUM RELACIONAMENTO TÓXICO; e ANA HICKMANN E O ANZOL DO SACRIFÍCIO PELOS FILHOS.

 

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13 thoughts on “ANA HICKMANN E O ANZOL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA (série – quinto e último texto)

  1. Cesar Palvarini via WhatsApp: 👏👏👏👏👏👏 Não tenho base psíquica pra entender tudo, mas do que faz sentido pra mim, você mata a pau! Texto que pode ajudar muita Ana por aí. E não Anas, também!

  2. Nelson Monteiro via WhatsApp: Só fica num relacionamento tóxicos desses quem quer… Creio que alguns de nós já tenham passado por isso em alguns casos com mais ou menos situações de abuso! Fica quem está doente!

  3. Wagner Luís Pinto via WhatsApp: Li. Gostei. Nele, o seu propósito foi jogar perguntas ao ar? Mexer com a cabeça de quem está fisgado num anzol? Fazer pensar sobre a dependência psicológica e a incapacidade de dar a volta por cima? Penso que essas perguntas sem respostas ajudam pessoas a tomarem atitude frente a vida. Por que uma pessoa se preocupa com o outro que lhe causou um tsunami? O anzol é o cordão umbilical do relacionamento, que tem que ser cortado, secado no girau e enterrado, como se fazia no interior. Você fala de sua experiência na Clínica. Imagino como deve ser difícil esse desligamento e desafio para o profissional.

  4. Ricardo Padilha via WhatsApp: Maraci, vc é uma ótima Escritora. Poderia arriscar mais no campo da literatura de tal forma que com a sutileza e elegância que transmite na escrita poderia iluminar mais Brasília ajudando a compreender a sombra e a escuridão.

  5. Fernando via WhatsApp: Bom dia, Gostei muito do texto. Ele é importante não somente para relacionamentos problemáticos, mas também, para situações da vida em que não alcançamos nossos objetivos e não sabemos reagir às frustrações.

  6. Regina Coeli via WhatsApp: Nós mulheres temos a maternidade dentro do estado psicológico, cremos que devemos “salvar” os que a nós chegarem. Creio vir da história de Eva e Adão, mesmo q neles não acreditemos. Diante de centenas de anos nos mostra a história, nos colocam como subalternas e dona do lar e responsável por educar nossos e outros rebentos, se acertamos, parabéns ao macho, se “aos olhos alheios” erramos, somos incompetentes e fracas. Demoramos e ainda somos pouco vistas na sociedade, a não ser qdo fazemos algo extraordinário. Com toda esta carga negativa tentamos aos trancos e barrancos mostrar a nós e ao próximo nosso valor, muitas vezes tendo atitudes não nossas, mas desejo do patriarcado, ainda muitas de nós, não tiramos os grilhões da obediência cega e surda a conceitos arcaicos, mas fortes em nosso inconsciente. Se algo está quebrado nos sentimos no dever consertar… nos amar 1° muitas vezes é tido como egoísmo e coisa de mulher fria, mesmo com o sangue quente gritando te amo, amor a qualquer situação ou pessoa. A sociedade quer ainda a bondosa e cuidadora do lar, a parideira. Eu mesma muitas vezes fui taxada de péssima mulher por não saber e nem interessar ser dona de fogão rsrs. Tem que estar em nossa mente que somos donas de nossos quereres e fazer por nós e sociedade o q dermos conta e não o q ela ou nosso sentimento de pequenez nos cobra. Procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica qdo sentirmos “frágeis” ou percebendo incoerência no cenário machista da sociedade.

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