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ANA HICKMANN E O ANZOL DO SACRIFÍCIO PELOS FILHOS (série – texto 4)

Publicado em Psicologia, Relacionamento abusivo, Relacionamento amoroso, Relacionamentos tóxicos

Este é o quarto texto da série Ana Hickmann, que comecei em meados de janeiro por sugestão de leitores interessados em entender a tumultuada separação da modelo. Como não a conheço, não posso falar sobre o casamento dela, mas aproveitei a curiosidade geral para refletir sobre violência doméstica. Assim escrevi, em ANA HICKMANN E O IMPACTO DA ANCESTRALIDADE, sobre a repercussão da história dos nossos ancestrais em nossas vidas; em ANA HICKMANN, ROBERTO CARLOS E A FOLHA CAÍDA NA CORRENTEZA, sobre os riscos de nos envolvermos com alguém que não conhecemos de fato; e, em ANA HICKMANN E OS ANZÓIS NUM RELACIONAMENTO TÓXICO, sobre o que leva uma mulher a se manter com um parceiro que se transforma em um monstro “ao virar de uma chave”.

 

Como digo em todos os textos, não sou jornalista, sou psicóloga. Não estou nem afirmando nem tentando esclarecer se o narrado por Ana Hickmann é ou não verdade. Portanto, não preciso ouvir o outro lado. Isso é assunto para a Justiça. Estou apenas fazendo considerações sobre padrões em relacionamentos de abuso, a partir de uma entrevista dada pela modelo ao Domingo Espetacular. E, embora eu me refira a mulheres heterossexuais, o que eu aqui disser vale para relações entre pessoas cis ou não, independentemente da identidade ou da orientação sexual.

 

Assim, conforme prometido, volto a falar sobre anzóis que mantêm muitas mulheres presas a um parceiro tóxico, especificamente sobre o medo de prejudicar os filhos ao submetê-los a uma vida longe do pai. Porque, cá entre nós, todos se casam sonhando virar participante de comercial de margarina. Ninguém pensa nas dificuldades que podem surgir no relacionamento e no impacto que elas possam ter nos filhos. Só que a vida costuma diferir dos nossos desejos. E, quando pensamos que finalmente temos todas as respostas, ela muda as perguntas, bagunçando tudo.

 

Lembro de uma paciente que queria muito se separar do marido, um narcisista de carteirinha com quem ela não suportava mais viver. A casa deles havia se transformado em uma filial do inferno e o companheiro, em representante do “coisa ruim”. Como dizem, quando o diabo não vem em pessoa, manda um representante. Ela estava estressada, doente, à beira de um colapso. Mas eles tinham um filho que ela criava praticamente sozinha, de quem ele só se ocupava quando achava que o garoto estava precisando de uma conversa “de homem pra homem”. Jesus! Isso ainda existe?!

 

Ela não sabia o que rolava nessas conversas, mas achava reconfortante o pai estar por perto para fazer esse papel. Essa paciente é uma mulher inteligente e intelectualmente bem preparada, que tem um cargo de responsabilidade no governo. Mas ela não enxergava que aquele homem não era uma pessoa indicada para orientar ninguém, muito menos uma criança, muito menos um filho. A bioquímica do cérebro dessa mãe estava alterada demais para que ela conseguisse raciocinar com clareza.

 

Era isto o que a mantinha presa a ele, exatamente como um anzol – acreditar que, em caso de separação, o pai faria falta ao garoto. Ela não conseguia ampliar seu olhar para enxergar o que realmente estava acontecendo. O marido os atormentava por cerca de 99,99% do tempo, mas ela se agarrava ao 0,01% que as tais conversas representavam. Não é preciso ser um matemático pra entender que isso não tem lógica. Aliás, nem é preciso ser muito inteligente. Mas um cérebro transtornado faz dessas conosco.

 

Só com o decorrer da terapia é que ela foi compreendendo o mal que fazia, a ela mesma e ao filho, ao adiar o inevitável; que mesmo que as poucas conversas entre pai e filho fossem boas, coisa em que eu não acredito, aquele 0,01% não tinha o condão de apagar os 99,99% de susto, de raiva, de vergonha, de frustração, de tristeza, de medo, de dor, de infelicidade, de humilhação, a que eles vinham sendo expostos. Muito provavelmente, as conversas que ele eventualmente mantinha com a criança só agravavam a situação.

 

Várias vezes ouvi em consultório que, apesar de todos os defeitos, o pai demonstrava seu interesse e preocupação com os filhos ao pagar as melhores escolas, dar boas roupas, os brinquedos preferidos. Claro que é louvável que muitos pais e mães trabalhem duro para que os filhos tenham, como eles mesmos dizem, “tudo o que eles nunca puderam ter”. Mas será que isso compensa a total falta de atenção e de paciência, o abuso físico, moral, emocional contra os filhos e contra a mãe deles?

 

Será que podemos chamar de pai alguém que chega bêbado ou drogado a casa, quebrando tudo, ameaçando todos, muitas vezes agredindo quem ele vê pela frente, o que exige que as crianças já estejam na cama quando ele chegar, “pra não estressar o papai”? Será que podemos chamar de pai alguém que faz a mãe dos filhos sofrer, trocando de amante como quem troca de roupa ou a tratando como um lixo? Será que podemos chamar de pai quem se envolve em atividades criminosas, preparando o filho para ingressar na quadrilha e “ajudar nos negócios da família”? Será que podemos chamar de pai alguém que rejeita um filho por sua escolha profissional ou orientação sexual?

 

Sei que o que vou dizer pode parecer um absurdo para muita gente, mas, dependendo do pai que se tenha, melhor seria não se ter nenhum. Porque não há nada pior que uma mãe possa fazer pelos filhos do que permitir que eles se tornem vítimas do próprio pai. Isso tem um impacto tremendo sobre as crianças. Não há nada pior do que nos tornarmos vítimas justamente de quem deveria nos proteger, apoiar, orientar. Isso transforma crianças em adultos que arrastam, vida afora, o sentimento de não ter nenhum valor.

 

Como será que se sente alguém que teve no pai um carrasco e não teve uma mãe que o defendesse? Nada, nada mesmo, justifica algo assim. Muitas vezes, uma mulher mantém um relacionamento de abuso e diz suportar o horror para não impor nenhum tipo de privação aos filhos. Mas, na verdade, nesses casos, o dever de protegê-los precisa ser encarado como o principal motivo para o rompimento. Agindo dessa maneira, você também estará ensinando seus filhos a cuidar dos filhos deles e assim por diante, evitando que a maldição que afeta tantas famílias se instale ou se perpetue na sua. Pense nisso! E, se perceber que não consegue sozinha, busque ajuda profissional. Você consegue e o Universo agradece.

 

No próximo e último texto desta série, vou falar sobre o anzol de não conseguir encontrar uma explicação plausível para aquele príncipe dos sonhos ter se transformado num pesadelo. Assim, se você viveu, está vivendo ou conhece alguém numa situação assim, mande uma mensagem por WhatsApp para (61) 99188.9002 ou para consultoriosentimentaldamaraci@gmail.com, contando a história. O seu nome não será divulgado, mas seu depoimento poderá ajudar muita gente.

 

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18 thoughts on “ANA HICKMANN E O ANZOL DO SACRIFÍCIO PELOS FILHOS (série – texto 4)

  1. Anônima via WhatsApp: 😭acabei de ler seu texto e choro aqui. Exatamente o que aconteceu comigo. Estou na justiça pleiteando a guarda unilateral justamente por esses motivos. E minha advogada diz que não são motivos suficientes. Eu não sei mais o que fazer para acreditarem em mim.

  2. Lúcia de Paula via WhatsApp: Apesar de ter casado e ter sido mãe bem nova, uma caipira que veio do interior, de uma cidade com 6.000 habitantes, hoje tem 12.000, para Brasília, o centro do poder, não sei como explicar, a sabedoria que já era inerente a minha pessoa. Separei do pai do meu filho, quando Leandro Augusto ainda não tinha 2 anos. Passamos todas as dificuldades juntos e vencemos. Descobri logo cedo, não tem como esconder, nós seres humanos temos a tendência de negar a toxidade da pessoa que é seu marido, pai do seu filho, que aquele casamento não ia render bons frutos. O pai do meu filho era mulherengo, irresponsável com as contas, enfim… Aguentei muita coisa em tão pouco tempo. Num determinado dia, a amante dele foi chamá-lo no nosso prédio. Meu filho viu que o pai ia sair, correu para a porta querendo ir com ele. Ele nervoso deu um chute na criança. Quando ele retornou suas malas estavam prontas. Coloquei porta fora. O bem mais precioso de uma mãe é o seu filho, portanto não consigo entender estas pessoas que ficam num relacionamento tóxico, justificando que é para o bem do filho. Que bem que nada. Por isto eu agradeço a Deus tanta sabedoria, na década de 70, tempo machista, preconceituoso, eu uma caipira, sair desse casamento não me preocupando com nada, somente com o meu amado filho, que hoje está bem pertinho de Deus, mandando energia positiva para nós, sua família que ficamos na terra. Eu acredito. Graças a Deus este anzol não me fisgou. Texto perfeito.

  3. Fernando via WhatsApp: Boa tarde! Texto muito importante para as mães que estão sem rumo com os companheiros que tem presença negativa.

  4. Charles via WhatsApp: Oi Maraci, vc tá bem? Excelente o seu texto. Gostei muito da abordagem que fez em relação à influência de pais tenebrosos na vida, na formação dos filhos e tmb sobre o convívio de pavor pq podem passar as mulheres e mães. Esses dias um colega seu dizia a frase: devemos agradecer por uma boa infância e não por termos sobrevivido a ela. Bom FDS procê, viu?

  5. Nelson Monteiro via WhatsApp: Pois é Maraci, infelizmente não é de agora que atos de agressão e abuso contra mulheres de todas as classes sociais. Se as punições fossem bem mais severas, eu duvido que que se fossem solenemente açoitados até sangrar e derramassem sal virgem nas costas desses desgraçados duvido muito que contassem a praticar violência contra as mulheres!

  6. Luciana de Mattos via WhatsApp: Fico tão feliz em ter a mãe que tenho. Uma mulher que jamais aceitou que homem nenhum dominasse suas escolhas, sua vida… Por muito tempo, (pois, sou do interior da Paraíba, moro em São paulo, há aproximadamente, 27 anos), minha mãe foi apontada por ser mãe solteira, e quando um relacionamento não dava certo, ela se permitia amar e se sentir amada novamente, era sua escolha. Espírito livre. Recordo-me que tive um padrasto que é pai de dois dos meus 4 irmãos, que nos levava no final de semana para dar uma volta no carro dele, levava todos os filhos de mamãe. Era uma festa, ele era bem aceito. Ela nunca deixou que ele descesse quaisquer palpite sobre nossa educação. Ele era muito ciumento, minha mãe extremamente dedicada, inteligente e independente. O dia que ele passou do limite, e a questionou p q ela estava fazendo tanta horas-extras e foi cheirar a roupa dela, ao tentar sair, ele a segurou no pulso. Ela falou (parecia que estava declamando um poema): fulano, te amo. Mas, agora peço que saia da minha vida. Chorarei. Mas, vou sobreviver. Não adiantou, pedidos de desculpas, a família pedindo, ele enviando discos… E um dia, ela escrevia e chorava, e perguntei: mamãe está com saudades… Sim, e por que não volta com ele? Minha filha, hoje me puxa pelo braço, amanhã puxa cabelo… Está pra nascer o homem que vá me fazer aceitar ser humilhada

  7. Li o texto e não achei nada demais, apenas uma mulher dando “conselhos” com viés feminista para mulheres, que tem um relacionamento com um parceiro desequilibrado. Me surpreende a autora se identificar como psicóloga, pois profissionalmente, jamais deveria apontar que o pai é menos indicado para criarem os filhos, que a obrigação é da mãe, como se a mães não cometessem crimes contra os filhos, deceria se posicionar sim sobre a realidade, que é a agressão, independentemente, de quem pratica, isso é inaceitável. Sou pai solteiro, cuido dos meus dois filhos, a menina tem 7 anos e o menino 10, eles moram comigo pq a mãe é uma psicopata violenta, eles escolheram morar comigo. Casos de violência doméstica existem dos dois lados, é claro que as estatísticas indicam que os homens são os responsáveis, mas antes da consumação da violência, tem muitos fatores que são jogados na cara dos homens pelas mulheres, mas isso não é violência psicológica quando o agressor é uma mulher, nem violência fisica, afinal homem não chora, não é mesmo psicológica? Por isso, casamento ou algo parecido, pra mim nunca mais, que as mulheres vivam felizes, a causa das suas frustrações são os homens….

  8. Olá, Silvio Soares. Se você é um pai que conseguiu proteger seus filhos da mãe psicopata, meus parabéns! Você está cumprindo com o seu dever. Nos meus textos, falo para as mulheres porque a violência doméstica é muito mais comum contra elas, inclusive por uma questão cultural. Mas, se você reler este com atenção, verá que, no final do segundo parágrafo, está escrito: “E, embora eu me refira a mulheres heterossexuais, o que eu aqui disser vale para relações entre pessoas cis ou não, independentemente da identidade ou da orientação sexual”.

  9. Wagner Luís Pinto via WhatsApp: Oi Maraci. Deve ser muito difícil desprender-se desse anzol. O motivo “proteção” dos filhos não faz mesmo sentido. Pode ser até pretexto para continuar no mundo de opressão e dominação. Pessoas há que abrem mão de sua liberdade, de sua vida por não vislumbrar uma saída. A conscientização é o início da ruptura e seu artigo vai nesse sentido: balançar as bases para a reconstrução da vida. Pobres mulheres. Mais pobres ainda, os homens!

  10. Anônima via WhatsApp: Maraci, bom dia! Escrevo para parabenizá-la pelo texto “ANA HICKMANN E O ANZOL DO SACRIFÍCIO PELOS FILHOS”. Infelizmente, reforçando a percepção distorcida da mulher envolvida num relacionamento disfuncional, há uma sociedade que ainda a recrimina por sair desse tipo de relação; e uma lei de alienação parental, desvirtuada e malvadamente, usada como espada contra as mães que buscam proteger os filhos desses pais que, como bem afirma seu texto, não devem ser considerados pais, e ainda usam os filhos como objeto de violência vicária; muitas vezes com o aval do judiciário. Sim, vc deu voz a uma parte dolorida da minha história. E que me renderam no ambiente escolar da minha filha apelidos de “mãe megera”, alienadora e louca. raças à terapia, hoje dói menos, mas o coração dói ao entregar uma filha p um homem q cometeu contra mim um estupro marital e que já espancou com chutes um ex. Enfim, obrigada por expor a situação.

  11. Pois eu sou um homem que foi fisgado também. Permaneci anos em um relacionamento tóxico com uma mulher que me destratava e ameaçava ir embora com as crianças a todo momento. Aguentei a humilhação na esperança de manter a família unida. Depois de muitos anos nessa situação deplorável, ela se foi, levou as crianças e metade de tudo que eu tinha guardado, e vai receber 1/3 de tudo que ganharei daqui para frente. Ah, e ficou com a casa também. Estou sem nada e sem onde morar. Ela, desequilibrada que é, também grita com as crianças, mas como é mulher, ninguém pensa que talvez as crianças estivessem melhor comigo. HOMENS, PENSEM MUITO BEM ANTES DE SE CASAREM! É MUITO MAU NEGÓCIO PARA VOCÊS E ÓTIMO NEGÓCIO PARA ELAS!

  12. Oi, Amarinaldo! Obrigada por seu comentário. Não sei se você chegou a ler o que escrevi para o Silvio, mas transcrevo aqui: “Olá, Silvio Soares. Se você é um pai que conseguiu proteger seus filhos da mãe psicopata, meus parabéns! Você está cumprindo com o seu dever. Nos meus textos, falo para as mulheres porque a violência doméstica é muito mais comum contra elas, inclusive por uma questão cultural. Mas, se você reler este com atenção, verá que, no final do segundo parágrafo, está escrito: ‘E, embora eu me refira a mulheres heterossexuais, o que eu aqui disser vale para relações entre pessoas cis ou não, independentemente da identidade ou da orientação sexual’.

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