Há algumas semanas, publiquei o texto Enquanto Engoma a Calça, sobre o rompimento entre Luísa Sonza e Chico Moedas. Não demorou muito, veio a notícia do fim do casamento de Ana Hickmann com Alexandre Correa após uma violenta briga. Logo comecei a receber pedidos para que falasse também sobre essa separação e decidi escrever usando o conteúdo da entrevista dada pela modelo à TV Record. Não estou nem afirmando nem tentando esclarecer se o narrado por Ana Hickmann é ou não verdade. Isso é assunto para a Justiça. Mas, no relato dela, identificamos padrões e tiramos importantes lições que poderão ajudar a salvar vidas. Este é o primeiro texto de uma série sobre o tema violência doméstica. Vamos começar falando sobre o impacto da ancestralidade em todos nós.
A apresentadora Carolina Ferraz começou a entrevista referindo-se a Ana Hickmann como linda, bem-sucedida, mãe amorosa e vítima de violência doméstica. Não obstante muitas famosas estarem vindo a público falar de relacionamentos abusivos por elas vividos, muita gente ainda acredita que esse tipo de ocorrência tem a ver com mulheres de periferia, sem instrução, dependentes dos parceiros. Só que, cada vez mais, fica evidente que, no Brasil, a violência doméstica, lamentavelmente, pode ser comparada a uma epidemia porque está em toda parte. Aliás, sempre esteve.
Na entrevista, Ana relatou ter vivido uma infância de provações com um pai violento. Contou que os pais dela se casaram muito jovens e eram muito unidos; que eram pobres, mas que o pai começou a prosperar no emprego até que a família conseguiu atingir uma estabilidade financeira que nunca havia experimentado; e que teria sido naquela fase que, como ela mesma disse, “a chave virou” e o pai se transformou em outra pessoa, alguém que amedrontava, agredia, traía a mulher e fazia da vida de todos um inferno.
A experiência da infância foi tão traumática que Ana jurou que nunca permitiria que nenhum homem a agredisse como o pai os agredia. Mas, apesar dessa promessa, tal qual a mãe, ela se casou muito jovem; viveu com o marido uma união feliz apesar do dinheiro curto; conquistou, com muito trabalho, uma situação econômico-financeira que nunca ninguém na família havia experimentado; e, exatamente quando acreditou que poderia diminuir um pouco o ritmo e começar a curtir as conquistas, “a chave virou” e o marido dela também virou outra pessoa.
Tal qual o pai dela, o marido de Ana se transformou. Ele, que, segundo ela, sempre teve um temperamento “difícil”, passou a ser agressivo com ela e com outras pessoas que com eles se relacionavam, criando situações profissionais e sociais constrangedoras. As brigas passaram a ser constantes, com agressões verbais. Ele dizia que ela não se cuidava, que estava gorda e ficando velha, e que “ninguém iria querer uma Ana Hickmann assim”. Controlava a vida dela, as idas à academia, os médicos. E a pressionava para que se submetesse a uma cirurgia plástica. Segundo ela, o marido tinha o dom de fazê-la se sentir “uma merda”.
Tal qual havia acontecido com a mãe dela, Ana Hickmann vivia com um homem assustador. Ele a isolava procurando mantê-la longe dos familiares e de pessoas amigas, exigindo cada vez mais dela, não lhe dando folga no trabalho nem quando ela estava doente e a levando a acreditar que ela tinha que fazer a sua parte enquanto ele estava fazendo o melhor para todos ao cuidar da gestão administrativa e financeira dos negócios e mantê-los, ela e o filho, protegidos de gente ruim, invejosa, não confiável.
Durante o relato sobre sua infância, Ana falou de uma briga pavorosa entre os pais, em que ela se envolveu para defender a mãe e foi também agredida, o que levou as duas ao hospital. E assim como sua mãe, Ana precisou de ajuda para se proteger de Alexandre após o atrito que virou notícia. Foram agentes da Polícia que a escoltaram ao pronto-socorro e à delegacia para registro de ocorrência com base na Lei Maria da Penha, que também fundamentou o pedido de divórcio.
Será que se pode acreditar que tanto o pai quanto o marido de Ana Hickmann eram pessoas boas que se transformaram “num virar de chave”, sem mais nem menos? Minha experiência dentro e fora do consultório me diz que não foi assim que isso aconteceu. Ana e a mãe se casaram muito jovens, emocionalmente imaturas e, como se isso não fosse o bastante para tornar o resultado perigoso, estavam apaixonadas, ou seja, com o cérebro quimicamente alterado, com a capacidade de raciocinar praticamente fora de combate. Elas não conheciam os homens com quem estavam se envolvendo porque, na verdade, elas nem se conheciam, o que incluiria conhecer a história de vida dos seus pais, avós, bisavós.
Sem perceber, apaixonada e desinformada, acreditando que havia encontrado para ser seu companheiro um homem que nada tinha a ver com seu pai, Ana reviveu a história da mãe. Ela relata que Alexandre nunca a agrediu fisicamente, mas eu considero a violência emocional muito pior, por não deixar marcas físicas, por, muitas vezes, vir disfarçada de zelo, de “tentativa de abrir os olhos do outro para evitar que ele sofra”. Se Alexandre tivesse dado um soco nela no começo do relacionamento, talvez Ana tivesse conseguido enxergar a história da mãe se repetindo com ela, mas não é assim que esses relacionamentos se desenvolvem.
Lembro de uma paciente que viu a mãe penar durante toda a vida com um marido alcoólatra. Diferentemente da maioria das filhas de alcoólatras, que se casam com alcoólatras, ela cresceu jurando que jamais se envolveria com um homem que bebesse. Entretanto, mesmo tendo se casado com um que não bebia nem refrigerante, ela sofreu como a mãe, porque ele era compulsivamente infiel. É o famoso “trocou seis por meia dúzia”. Mas isso aconteceu porque ela não refletiu sobre a história da mãe como precisaria ter feito. Ela se prendeu a um detalhe do problema e acreditou que evitá-lo seria o bastante.
Se ela tivesse analisado bem a situação, de repente com a ajuda de um psicoterapeuta, perceberia que o mesmo teria acontecido se a mãe dela, em vez de se casar com um alcoólatra, tivesse se casado com alguém viciado em outra droga ou em jogo ou em sexo. Ou alguém que fosse um psicopata, um narcisista, um misógino. A questão não estava no álcool, nem no vício, mas na incapacidade daquele homem em manter um relacionamento de respeito, de verdadeira intimidade, de amor.
Muita gente pensa que antepassados são pessoas que fazem parte de nossa árvore genealógica, mas que, na prática, não têm nada a ver conosco, por terem vivido em outros tempos, outras realidades. Mas isso é um engano temeroso. Nem vou me referir a questões genéticas. Aqui quero focar os ensinamentos, os exemplos que atravessam gerações. Ana Hickmann, por exemplo, aprendeu muito com a mãe, coisas boas e ruins porque mãe não é um ser acabado, perfeito, é um ser humano que também erra, mesmo tentando ser maravilhoso. E é possível que, pesquisando sobre sua família, mãe e filha encontrem outras mulheres e até homens que viveram e ainda vivem relacionamentos tóxicos, abusivos, violentos.
Quando nascemos, não somos como um livro em branco. Trazemos conosco a história dos que vieram antes de nós e precisamos conhecer os que nos antecederam para aprender com seus acertos e também com seus erros. Muitos dos nossos sucessos tecnológicos de hoje só são possíveis graças às observações, às descobertas, às invenções, à inteligência do homem primitivo, que permitiram que ele sobrevivesse e preparasse seus descendentes para fazer tudo aquilo e muito mais. Dá para imaginar o desenvolvimento da Inteligência Artificial sem a descoberta do fogo?
Estou sempre falando aqui e no consultório sobre autoconhecimento e visão panorâmica dos problemas. Porque não podemos evitar o que nos vem por ancestralidade, mas podemos transformar em aprendizado, em superação, as maldições que atravessam gerações. A ancestralidade não define a nossa vida. Romper círculos viciosos está nas nossas mãos, sempre esteve e sempre estará. É como dizem: O inteligente aprende com seus próprios erros, mas só o sábio amplia sua visão e aprende também com os erros dos outros.
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O segundo texto desta série já está publicado. Para acessá-lo, clique AQUI.
18 thoughts on “ANA HICKMANN E O IMPACTO DA ANCESTRALIDADE (série – texto 1)”
O que mais me tocou no texto foi a forma como você destacou a influência da história familiar nas escolhas e comportamentos que adotamos em nossas vidas. É fascinante, e ao mesmo tempo um tanto alarmante, perceber como padrões negativos podem se repetir de geração em geração, muitas vezes sem que nos demos conta. Sua análise sobre a necessidade de autoconhecimento para romper esses ciclos é algo que considero extremamente valioso e um verdadeiro chamado à reflexão.
Além disso, sua habilidade em conectar essas histórias pessoais com questões mais amplas da sociedade brasileira oferece uma visão esclarecedora sobre como problemas individuais refletem desafios coletivos. Isso ressalta a importância de discutirmos abertamente sobre tópicos como violência doméstica e saúde emocional.
Obrigado por compartilhar essas reflexões e por nos incentivar a olhar para dentro de nós mesmos e para nossa história familiar de uma maneira mais crítica e consciente. Seus textos não apenas informam, mas também inspiram mudanças positivas.
Texto maravilhoso. Esse problema de mulheres oprimidas por seus companheiros sempre existiu mais não era tão partilhado como hoje, principalmente por pessoas de vida pública que se passavam como pessoas lindas, ricas e felizes.
Mahendra via WhatsApp: Nossa! Muito bom e necessário o seu texto.
Regina Coeli via WhatsApp: Creio que maioria das mulheres tem um histórico para contar, vivemos num mundo machista. As mulheres deram boa evoluída, mas sonham ainda com príncipe encantado, não com o de cavalo branco, mas o bondoso, educado e gentil namorado que assim o vendo, crê que existe a perfeição. E os sinais? aparecem, mas dentro da bolha da “felicidade” do amor perfeito, muitas vezes não quer olhar, finge não ver ou ouvir: “os homens são assim, não quero ficar só, antes acompanhada que só…”. E nesta ilusão com a qual familiares assinam em baixo ou omitem conselhos, ou os dão e ela se nega a aceitar, eu me neguei a aceitar conselho do futuro sogro, dancei mas tive a percepção e pude cair fora da pressão psicológica. Nem todas conseguem, basta ver os feminicidios aumentando ano a ano 😪
Nem sempre a verdade é o que parece ser.
Julgar sem saber a realidade, e a complexidade dos fatos em relações afetivas e familiares, gera mais conflito e não protege ninguém. Sem saber, é melhor calar.
Adriana Ziller via WhatsApp: Bão dimais!!!
Ana Claudia via WhatsApp: Eu li e entendi!! Mas difícil de fazer.
Geany via WhatsApp: Muito convidativo a uma reflexão. Hoje é o aniversário de 20 anos da partida de minha mãe e o seu texto me convidou a refletir o que aprendi e continuo aprendendo com ela.
Pertusi via WhatsApp: Muito bom! 👏👏👏
Joaquim Cruz via WhatsApp: Oi Mara, sim. Suas matérias sao bem atuais e vc fala com uma intimidade com o leitor incrível, parabéns !!!
Erva daninha da pseudociência, essa coluna é uma vergonha feita para iletrados e inocentes. É triste ler elogios ao que não tem qualquer fundamento, seja na ciência, seja na realidade fática.
Fernando via WhatsApp: Olá, Maraci. Gostei muito da parte na qual você escreveu que tanto a Ana Hickman quanto a mãe dela se casaram muito jovens e imaturas e, o que é pior, “apaixonadas, ou seja, com o cérebro quimicamente alterado, com a capacidade de raciocinar praticamente fora de combate”.
Na minha percepção, que obviamente pode estar equivocada total ou parcialmente, creio que há uma grande romantização do casamento. Talvez até mesmo exista uma espécie de fetichização do mesmo. O casamento, com todo o seu amor, romance e alegria mostra-se compulsório, obrigatório. Nascemos para casar, não importa se somos mulheres ou homens. Ele é tido como uma etapa natural da vida. É quase como se tivesse a mesma inevitabilidade do envelhecer, ou seja, faz parte da vida e não tem como se esquivar dele. E, nesse sentido, parece haver falta de discernimento crítico quanto ao casamento de maneira geral. Os mecanismos de posse e poder que existem na sociedade em nível macro parecem se perpetuar no casamento moderno, de fundo romântico e burguês. O patriarcado, sistema de poder e opressão da classe dominante sobre as demais está entranhado em quase todos os casamentos. As mulheres o sentem na pele e no emocional. Quando não são assassinadas e espancadas, são mutiladas e alijadas psicologicamente. Os homens, que precisam se afirmar no papel que o patriarcado lhes impõem, “viram a chave” ao menor sinal de vulnerabilidade desse papel de dominador e opressor. A classe dominante, por sua vez, ri das hipocrisias que cria e que são tão infantilmente absorvidas por quase todos. Cabe a nós questionarmos os padrões impostos, mesmo que achemos que eles não são impostos. Creio que, se alguma mudança positiva ainda ocorrer, não será nessa e nem na próxima geração. E eu espero muito estar equivocado, total ou parcialmente…😁😁😁
Wagner Luís Pinto via WhatsApp: Li e achei muito bom.