Cosette Castro
Brasília – Nesta semana em que um novo Papa foi eleito, o Coletivo Filhas da Mãe reconhece a importância dessa voz que dialoga mundialmente. E espera que o legado de cuidado coletivo, respeito à diversidade e cuidado com a natureza tenha continuidade com Leão XIV. Como movimento social acolhemos pessoas de todas as religiões e também quem não tem religião,
Enquanto isso, neste domingo o Brasil se prepara para comemorar mais um dia das mães.
Nem sempre é fácil pensar em comemoração quando se tem uma mãe com demência. Ainda mais quando ela não lembra mais da gente.
Na última fase da demência, por exemplo, muitas de nós cuidamos de uma mãe praticamente sem memória. Ainda assim, nos agarramos aos resquícios. Aos segundos de lucidez que se esvaem cada vez mais rapidamente.
São esses segundos que garantem que, em algum lugar, ainda existimos para elas. Sim, queremos continuar existindo para nossas mães assim como elas seguem existindo dentro de nós.
Existir para elas, ser reconhecida pela mãe, é uma forma de existir para o mundo. E também uma forma de nos sentirmos amadas.
É um desafio diário ver a pessoa que nos deu a vida definhar e viver em um mundo que vai desmoronando. É difícil compreender que todas as referências e lembranças compartilhadas vão deixando de existir para ela.
Nâo é fácil o período logo depois que a mãe, que quase nem lembrava de nós, morre. Em geral fica um grande vazio e algumas possíveis revelações sobre nós mesmas.
Há o luto misturado com culpa de “não ter feito mais”. Como se fosse possível exigir ainda mais de nós mesmas.
Há uma raiva escondida que revela frustração e impotência. Tais sentimentos, nem sempre conscientes, merecem ser compreendidos em sessões de terapia.
Há um pensamento mágico aliado ao desejo de que o amor filial pudesse ser suficiente para salvar nossa mãe. Não é. Isso expõe nossa fragilidade e nos coloca frente a frente com a própria finitude.
Há a tristeza da orfandade, independentemente da idade biológica de cada uma de nós. Frente à morte, não chora apenas a mulher jovem, adulta ou idosa. Chora também a criança que vive em nós.
Por outro lado, existe um sentimento de alívio, nem sempre reconhecido, pelo descanso da mãe doente. E pelo nosso próprio descanso depois de tanto tempo de cuidado invisível.
No meu caso, minha mãe já não está mais presente. Não há um corpo de referência. Somente algumas fotos e vídeos. Nem sempre de boas lembranças. Mas são as lembranças possíveis.
Domingo também é dia de comemorar nossa ancestralidade e agradecer a todas as mulheres que vieram antes. Foram elas que tornaram nossa vida possível.
Sobre Maternagem
A pessoa que materna não precisa ser uma mãe biológica, mas é aquela que cuida e acolhe, mesmo de longe. É aquela que dá segurança para crescer, que aceita quem somos e que ajuda a seguir em frente em distintas etapas da vida.
Como lembra a psicanalista Vera Iaconelli (2024) no texto “ Dia das Guardiãs do Cuidado“, existe uma distorção na expressão “mãe só tem uma”. Podemos ter várias mães do decorrer da vida.
A maternagem pode ser uma escolha afetiva. Que o digam as famílias afetivas, as redes de amigas e vizinhas de diferentes idades que se apoiam e proliferam pelo país.
Nós também podemos ser “guardiãs do cuidado”. Seja das filhas e filhos biológicos ou adotados, de enteadas e enteados, de pets, de plantas. E da natureza que depende de nós. Toda vez que maternamos, somos mães.
Neste domingo é também dia de lembrar que somos Filhas da Mãe sim, com muito orgulho!
PS: Este texto foi publicado em 2024 e foi atualizado para esta edição.