Ana Castro, Cosette Castro & Convidada
Brasília – O dia da consciência negra deveria ser feriado em todo o país. Não é. Em apenas 05 Estados é feriado e no Distrito Federal é ponto facultativo.
Isso mostra o longo caminho que ainda temos a percorrer para reconhecer o horror da escravidão e suas consequências até hoje para população negra. A data é uma referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares que lutou para libertar a população negra escravizada.
Nesta segunda-feira convidamos Naomi Cary, jovem mãe negra que contribui para o cuidado do pai com demência ao lado de sua mãe. Ela trabalha como designer e reflete sobre o envelhecimento das pessoas negras.
Naomy Cary – “No Brasil, as perspectivas sobre envelhecimento em geral são do passar do tempo para as pessoas brancas, representantes de ‘ser humano’. Mesmo que as pessoas negras representem 56,1% da população (IBGE, 2023).
Vivemos em uma sociedade racista, mesmo que parte dos 42,8% da população que se declara branca sequer se de conta do próprio preconceito. Neste contexto, escrever sobre envelhecimento do povo preto é algo urgente e inédito.
Vivemos menos e em piores condições que a população branca. Dados do IBGE (2023) apontam que as pessoas negras vivem, em média, 67 anos. Já as pessoas brancas vivem, em média, 73 anos. Esse é apenas um dos indicadores da desigualdade social.
Quando pensamos em velhice ou demências logo chegamos à questão do cuidado: quem cuida e como cuida. E aí temos bons pontos para problematizar o ‘bem envelhecer’ das pessoas negras.
Vamos voltar na história. Desde a chegada de nossos antepassados em terras estranhas, a fragilidade do afeto nos tornava mais vulneráveis.
Se o senhor queria nos machucar, poderia fazer isso através de nossos entes queridos. Se nos comportávamos mal e os castigos físicos já não eram mais eficazes, bastava vender a pessoa escravizada, separando-a assim da sua rede afetiva.
Ou seja, nos dividir foi, desde sempre, uma estratégia dos brancos para nos enfraquecer. Por muito tempo acreditávamos que seríamos salvos nos distanciando de outras pessoas negras, da nossa comunidade. Como se calar nossas dores fizesse a dor e a tristeza passar.
Isso fez com que o cuidado e o autocuidado fosse sempre algo difícil pra nós. E nessa nova realidade, em que os mais velhos ficam por aqui muito mais tempo, precisamos nos reeducar para cuidar.
Cuidar para além da comida na mesa. Além da sobrevivência.
Precisamos cuidar das subjetividades, ouvir as histórias que se repetem. Ou aquelas que começam a poder ser contadas agora.
Lembro de uma historia da minha avó, a primeira da família a nascer livre. Ainda em uma senzala, mas já sob a Lei do Ventre Livre. Ela narrou com uma falsa naturalidade, de quem não sabe como o conto será recebido, de uma das violências do filho do patrão.
Uma violência que ela escapou ameaçando-o com uma faca como a que ela segurava enquanto contava esse causo.
Em uma cultura como a africana, e consequentemente, afrobrasileira, a oralidade é uma das linguagens mais fundamentais. Precisamos contar nossas histórias.
Diminuir a frequência, o poder e a força da oralidade é uma violência. Ao contar sua história, cada pessoa pode rever e recontar sua narrativa. Ela revê sua própria subjetividade, sem esvaziar o seu ser. Ao contrário, várias gerações ecoam em uma só.
Não podemos tratar nossos mais velhos como temos tratado África, a quem chamamos de berço. Berço é algo que abandonamos quando aprendemos a falar e andar e conquistamos alguma independência.
A falta de escuta resulta num distanciamento da pessoa com ela mesma, assim como a reafirmação de estigmas ligados a doenças mentais que corroboram com estigmas ligados ao racismo.
Violência, falta de conhecimento ou coerência, infantilização e incapacidade de decidir por si mesmo são alguns dos pressupostos que se interseccionam e potencializam quando o assunto é preconceito etário e racismo.
Em um país onde quem tem validade é quem está no mercado e produz, essa exigência de mundo de sucesso e competição forja realidades e tenta definir nossas vidas e subjetividades de uma forma nunca antes experienciada.
Para construir uma Sociedade do Cuidado precisamos descobrir novos modos de resistir e cuidar de nossas mais velhas e mais velhos pretos. Elas e eles que tanto resistiram, merecem viver plenamente esse novo momento. E serem escutados.”
No Coletivo Filhas da Mãe acreditamos que contar histórias é fundamental. Escrever também. Por isso estimula as cuidadoras familiares, suas filhas, netas, amigas e vizinhas a falarem, a escreverem. E a escutarem (e registrarem) as histórias das pessoas mais velhas, caso elas não possam mais fazer isso sozinhas. Todo o dia é dia de construir uma Sociedade do Cuidado sem invisibilidades e sem preconceitos.
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