Tia Virginia e as Cuidadoras Familiares

Publicado em Cuidadoras Familiares

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília -O filme “Tia Virginia” entrou em cartaz em Brasília quase ao mesmo tempo em que a redação do ENEM 2023 tratou do trabalho invisível e sem remuneração das mulheres brasileiras.

Embora não tenha a mesma repercussão nacional que o tema da redação alcançou, a obra de Fábio Meira chega às telas de cinema com 06 prêmios. Eles foram obtidos no Festival de Cinema de Gramado 2023. Inclusive o de melhor atriz para Vera Holtz.

O filme “Tia Virginia”, que fala sobre cuidado familiar e sobre as nem sempre fáceis relações entre irmãs, é comentado hoje por Cosette Castro. Psicanalista e pesquisadora, além de ser uma das autoras deste Blog, é co-Coordenadora do Coletivo Filhas da Mãe.

Cosette Castro – “Se você for assistir o filme “Tia Virginia” não espere ver uma família de comercial de televisão onde todos se dão bem e estão felizes. Mesmo em dias de festa.

O filme nos apresenta a pessoas quebradas, que carregam suas mágoas ao longo dos anos. Há dores que explodem durante o longo dia de Natal em que acontece a história.

Há uma família envelhecida onde a irmã solteira foi a “escolhida” para cuidar dos pais doentes.

Este é um retrato, na ficção, da realidade de muitas famílias brasileiras onde mulheres solteiras, separadas ou viúvas são “escolhidas” para cuidar dos demais.

E é a ficção que mostra a falta de responsabilidade familiar sobre um cuidado que deveria ser coletivo.

A única exceção no filme é o excesso de cuidado com filhos, superprotegidos. A sobrinha preocupada com o corpo, mas que não sabe o que quer da vida. O sobrinho, orgulho da família por se tornar médico, que não tem pudores em abusar das mulheres ao seu redor.

A estrutura da família brasileira de classe média alta em processo de envelhecimento e decadência permeia a história. Ninguém olha para ninguém. Ninguém escuta ninguém. Estão todos presos em uma teia em que parece ser difícil fugir.

O filme é baseado na história da própria família do diretor Fabio Meira que começou o projeto há 10 anos, em 2013. E, mesmo sendo uma ficção, abre espaço para os diferentes abusos que podem ocorrer dentro de uma família e com as pessoas do entorno. Mesmo que a família faça de conta que eles não existam.

Há um pai idolatrado e uma mãe que, apesar de ainda viva, é como se não existisse. Ela faz parte dos móveis e utensílios da grande e antiga casa. Aliás, a casa é quase um membro a mais da família.

Virginia vive no passado, na perda de uma possível carreira de atriz que se diluiu no tempo. Também vive no presente a frustração e sobrecarga de ser uma cuidadora familiar, invisível e sem remuneração. Mas, mesmo em meio ao desespero, quer construir um futuro.

Nem sempre a família é um lugar acolhedor, como Frederico Garcia Lorca, dramaturgo e poeta espanhol assassinado pelos guardas durante a guerra civil em 1936, mostrou em sua obra.

A casa como prisão estímulando um caldeirão de emoções foi retratada há 87 anos na peça para teatro “A Casa de Bernarda Alba”. A obra foi finalizada poucos meses antes da morte de García Lorca, cujo corpo nunca foi encontrado.

Esse turbilhão de emoções também aparece em “Tia Virginia”. Como homenagem e como repetição de histórias familiares, independente da geração, perpetuando segredos, mágoas e relações mal resolvidas.

Não espere sair feliz de Tia Virginia. Nem aliviada. Nem sempre o aparente final feliz é tão feliz”.

PS: Nesta sexta-feira, 10/11, a partir das 17h, ocorre a cerimônia online de entrega do Prêmio Mulheres que Inspiram 2023, do qual Cosette Castro é uma das finalistas na Categoria Coletivos. Vamos acompanhar a premiação pelo link disponível aqui .

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