O Etarismo que (Também) Existe Dentro de Nós

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Quem passou dos 50 anos já se deparou com diferentes níveis de discriminação por idade. Se for mulher e negra, o preconceito é triplo.

O cenário não é novo, ainda mais no Brasil, país que segue tentando fazer de conta que é jovem. Ocorre mesmo quando os dados do Censo do IBGE de 2023 mostram que a população brasileira está envelhecendo rapidamente.

A negação do envelhecimento ocorre no nível coletivo e também no individual. Vamos começar pelo individual.

Em uma sociedade que maltrata, humilha, infantiliza, ignora e descarta pessoas com 60 anos ou mais, aceitar o próprio envelhecimento e o futuro pode ser assustador.

A reação individual, em geral, é de medo de ser desdenhada, de ser excluída. De não ser desejada ou reconhecida publicamente.

Muitas pessoas têm vergonha e até pavor do que vêem no espelho. Rugas, papadas e cabelos brancos. Elas e eles se escondem atrás de procedimentos estéticos temporários que não conseguem congelar o tempo.

A negação da idade, ainda que de forma inconsciente, acontece entre mulheres e homens de diferentes regiões do país. Tentam não “passar do prazo de validade social” em um mercado que segue com olhos e práticas voltados apenas para pessoas jovens.

Nessa tentativa de congelar o tempo, muitas vezes cometem discriminação etária contra outras gerações e contra si mesmas. “Velhos são os outros”.

Nesse cenário, o país registrou em 2022 o maior número de realizações de cirurgias plásticas no mundo.  De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) no Brasil são realizadas, aproximadamente, 1,5 milhões de cirurgias ao ano, ultrapassando Estados Unidos e México, segundo e terceiro colocados.

Em 7 anos, algo em torno de 10,5 milhões de brasileiras e brasileiros terão tentado, com cirurgias, permanecer dentro dos parâmetros de validade do mercado. Tanto o mercado de trabalho quanto o de consumo, que é particularmente cruel com as mulheres.

Preconceito Etário  Dentro e Fora de Casa

Muitas pessoas com 60 anos ou mais sofrem diariamente preconceito no seio familiar, que reproduz parâmetros sociais.

Um dos casos mais conhecidos acontece quando filhos e netos infantilizam a pessoa idosa, cerceando seu potencial, ridicularizando seus comentários, desdenhando de suas roupas ou forma de se expressar. Frases como “Isso não é pra sua idade”. Ou “Você é uma velha ridícula” fazem parte das queixas em consultórios, mas nem  sempre chegam a ser denunciadas porque causam vergonha e tristeza.

O etarismo, também chamado idadismo, ageismo ou velhofobia vai além da porta de casa. Ele aparece na rua e no trabalho quando menos esperamos.

Há exemplos como as demissões em massa que ocorreram nos últimos anos, inclusive em universidades privadas, que atingem, majoritariamente quem passou dos 50 anos. De um lado estão profissionais com doutorado ou pós-doutorado que “custam” mais para a empresa. De outro, profissionais mais jovens que vão receber salários mais baixos criando uma falsa disputa entre os dois grupos etários.

Há empresas que criaram Programas de Demissão Voluntária (PDV) estimulando as pessoas com “mais idade” a “descansarem”. Ou a se tornarem empreendedores, gerentes de si mesmos.  E há aquelas que não contratam pessoas com mais de 60.

A discriminação por idade se reveste de diferentes formas no mundo do trabalho. Algumas sutis, como quando o profissional não é chamado para novos cargos. Quando é preterido na ascensão salarial. Outras são mais claras, principalmente quando a pessoa idosa é tratada como “antiga, desatualizada” por colegas mais jovens.  Com conivência/omissão por parte das chefias.

Editais, públicos ou privados, e mesmo de movimentos sociais não oferecem cotas para pessoas 60 anos ou mais, como ocorre para outras minorias. Mesmo que seja pública a discriminação das pessoas idosas em novas vagas de emprego.

Nem como consumidoras as pessoas em processo de envelhecimento estão livres de preconceito. A não ser que sejam milionárias. Nos bancos, nos planos de saúde, seguradoras e nas imobiliárias, o preconceito por idade se multiplica a olhos vistos. As denúncias também. Entretanto, o preconceito costuma ser mascarado para que a empresa não seja denunciada por discriminação econômica ou por idade.

Pessoas idosas recebem vários “Nãos” de empresas das quais são clientes há vários anos, como denunciou o jornal O Globo. Já as empresas se desresponsabilizam e mascaram o preconceito. Nos bancos, é cada vez mais comum  ouvir um Não para o pedido de empréstimo pessoal. Ou para empréstimo para aquisição, obras ou troca de imóvel. Outra redução arbitrária que vem ocorrendo é no valor disponível no cartão de crédito e no cheque especial. Mesmo que os juros sigam exorbitantes.

Os planos de saúde privados também seguem criando dificuldades para aceitar pessoas idosas, principalmente aquelas que tentam trocar de plano para reduzir custos mensais. Isso não ocorre apenas com pessoas na faixa dos 70, 80 anos. Vem ocorrendo entre a população a partir dos 50.

As denúncias sobre serviços financeiros incluem ainda seguradoras e imobiliárias e chegaram a  mais de 10,7 mil pessoas no Procom/SP apenas no primeiro semestre de 2023, um aumento de 20,4% em relação a 2023. Mas muita gente não reclama porque se sente humilhada e envergonhada pela discriminação. Conheça aqui os seus direitos (link aqui).

E você, já sofreu algum tipo de preconceito por idade?

Cosette Castro

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