Uma Filha Co-Cuidadora

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – Nem todo mundo que cuida de um familiar, independente da doença e do nível de dependência, cuida sozinha. Em muitas famílias, o cuidado é compartilhado e se torna um co-cuidado, com tarefas divididas entre irmãos, filhas, netos e outros parentes.

Entretanto, nem todas as pessoas que cuidam se dão conta disso. Em geral, desmerecem o co-cuidado, porque sequer o notam. Até diminuem o peso da sua contribuição ao cuidado familiar.

“Eu só ajudo” é uma frase que escutamos com frequência nas conversas do Coletivo  Filhas da Mãe.  Outras pessoas  nem conhecem o termo ou seu significado.

Já a professora de Educação da UnB, Natalia Duarte, nossa convidada de hoje, assumiu o papel de co-cuidadora e tirou o peso de tomar o cuidado como uma responsabilidade apenas sua.

Natália Duarte – “Sou co-cuidadora familiar há cinco anos. Primeiro da minha mãe, Maria Duarte (que faleceu em dezembro de 2020 em razão de um câncer) depois de meu pai, Ítalo, diagnosticado com Alzheimer em 2019. Nem acredito que já faz tanto tempo que cumpro essa função tão intensa e ensinante.

Somos uma família migrante que em 1970 se estabeleceu em Brasília longe dos avós, irmãos e primos. Passávamos as férias no reduto carioca, mas não acompanhamos o cotidiano de envelhecimento dos familiares. Hoje, olhando para nossa história familiar, vejo como fez falta a vivência cotidiana do envelhecimento e do cuidado com pessoas idosas.

Maria e Ítalo sempre foram independentes, ativos, autônomos e foi uma surpresa para mim e meu irmão, André, quando tivemos que arrumar espaço em nossas vidas aceleradas e assumir a provisão de cuidados de nossos pais. O primeiro desafio que desorganiza a vida da cuidadora familiar é encaixar a responsabilidade de outras vidas na nossa vida já tão comprimida, cheia de compromissos e problemas.

Os furos, no começo da atividade de cuidado, eram hilários.

“Papai saiu sozinho de carro? Como???” E saíamos correndo a procurar pelo pai e tapar o pequeno furo no planejamento, até então impensável, que é deixar as chaves do carro acessíveis.

O planejamento nunca, nunca dava conta de tudo. Tentamos de diferentes formas, inclusive com meu irmão e família indo morar com nosso pai, num gesto muito amoroso. Mas o cotidiano exigente e minucioso, os altos e baixos, os novos esquecimentos e deficiências, a crescente falta de autonomia e dependência continuavam a assustar e gerar novos e mais furos.

Creio que essa é a primeira lição que aprendi quando me tornei co-cuidadora familiar: não se controla tudo, não se prevê tudo. É preciso abrir-se ao imprevisível. E, enquanto eu tentava ter tudo sobre controle e manter minha vida anterior, eu adoeci…

A segunda lição que aprendi tem a ver com o meu processo de cura. O cuidado precisa vir, inexoravelmente, acompanhado de autocuidado. Não há possibilidade de bem-viver para quem é cuidado se quem cuida não se cuida.

Administrar cuidado e autocuidado é um exercício cotidiano de me colocar na agenda abarrotada, de não me negligenciar. De não esquecer de mim mesma e da minha vida.

O autocuidado fica mais difícil quando não se encara de frente o temor da doença e o luto em vida que o cuidado traz quando se trata de  uma demência como o Alzheimer. No caso, do meu pai. E aí entra a importância do acompanhamento terapêutico. Compreender os sentimentos é um passo importante para o autocuidado.

Hoje meu pai é vizinho de porta.

Ama “morar sozinho” e mandar na casa dele! Tem cuidadoras profissionais e dois filhos co-cuidadores familiares. Vive reclamando que agora os filhos deram de querer mandar nele: “Eu sou independente desde os dez anos, vê se pode?”

É desde os 10 anos mesmo. Meu pai foi um menino trabalhador do Instituto Profissional Getúlio Vargas.

Para montar a nova casa do meu pai, pedi ajuda à amiga Ana Castro. Ela presta consultoria sobre moradias adaptadas e orienta sobre cotidiano, necessidades e possibilidades de mais autonomia para idosos e cuidadoras. Só uma pessoa tão especial, cuidadora familiar por 14 anos, estudiosa e uma das criadoras do Coletivo Filhas da Mãe poderia ter tamanha sensibilidade e competência.

Nossa alegria? Ana Castro deu nota 10 na casa e no novo cotidiano de Ítalo, cheio de atividades sociais, oficinas cognitivas e da memória, atividade física, cuidado familiar e profissional.  E meu irmão e eu seguimos administrando o cotidiano de cuidados, mas sem esquecer da própria vida e do autocuidado. É muito bom contar com ele. Tem dado certo!”

No Coletivo Filhas da Mãe, cuidado e autocuidado são mantras. Sem autocuidado temos cuidadoras familiares adoecidas, física e emocionalmente.

Semanalmente divulgamos práticas integrativas online e presencial gratuitas no grupo do WhatsApp e criamos o Grupo Caminhantes,  que realiza caminhadas e trilhas todos os domingos pela manhã. No dia 09 fizemos caminhada urbana nas ruas da Asa Norte, em Brasília, para conhecer as obras do artista Athos Bulcão. (Veja aqui).

E você, de que maneira pratica o autocuidado?

4 thoughts on “Uma Filha Co-Cuidadora

  1. Natália obrigada compartilhar sua experiência, Isso é fundamental para avançar a consciência social sobre o cuidado. Pendo que o co-cuidado só funciona se tiver alguém que assume as principais tarefas, organiza e faz a gestão pra que todes participem. Não considero essa pessoa uma co-cuidadora. Avançaremos um dia para autogestão do cuidado, não estamos nesse nivel ainda.

  2. Dá para perceber uma rede de afeto a sustentar esses momento de grandes desafios. É uma benção do cultivo ao que traz bem-estar para estar bem. Foi bom ler esse relato para lembrar de incrementar o meu autocuidado.

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