A Árvore de Desejos de Quem Cuida

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Em um  país rodeado de violências de todos os tipos, se você pudesse escrever pedidos em uma árvore dos desejos, quais seriam eles?

Perguntamos a algumas cuidadoras familiares de pessoas com demências e elas revelaram seus desejos e sonhos. E vão além das sugestões que elaboramos ao Projeto de Lei 4364/2020, do Senador Paulo Paim, que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em primeiro lugar, as cuidadoras revelaram que gostariam de ser vistas. Querem deixar de serem invisíveis, dentro e fora de casa. Desejam ser respeitadas pelo governo e por familiares.

Elas reclamaram do atraso do Brasil, onde as demências têm pouca visibilidade. Um tema tratado como assunto de segunda ou terceira categoria, já que nem as pessoas idosas saudáveis são reconhecidas e respeitadas no país.

Elas desejariam não se sentir tão cansadas, exaustas e sem perspectiva. A atividade de cuidado familiar é gratuita e a maior parte das famílias brasileiras não pode pagar pelo cuidado privado.

No Distrito Federal, elas sonham com a implementação da Lei 6926/2021, que  foi aprovada em 2021 e instituiu políticas de tratamento e prevenção para pessoas com demências, para cuidadores e familiares. Mas que, até o momento, não saiu do papel.

Outro desejo é que as pessoas tenham empatia com quem cuida. Independente do que  cuida (casa, alimentação, educação ou saúde da família) ou de quem cuida. Empatia também por parte daqueles que atendem pacientes e com quem as cuidadoras convivem.

E gentileza. Muita gentileza. Como um mantra. Uma prática diária, como resposta à violência crescente contra a população e contra as mulheres, em particular.

Na árvore dos desejos, aparece a vontade de que sejam realizadas sistematicamente campanhas públicas de informação sobre as demências. E que ajudem a compreender as dificuldades e  complexidades da doença.

Um pedido sempre presente é o desejo de acesso fácil à informação médica. Vale lembrar que, sem tal acesso, o Google e as redes sociais digitais se tornam um caminho fácil para as informações falsas/ fake news.

Entre os profissionais de saúde, o desejo é que haja oferta de equipes multi ou interdisciplinares que realmente conversem entre si.

Elas sonham com alas em hospitais para atender pacientes com demência e equipe treinadas pra atender esse tipo de doença. Mais ainda: desejam hospitais que garantam cuidados paliativos, como o de Apoio do Distrito Federal.

E farmácias que atendam bem as cuidadoras. Não se trata de favor, mas prestação de serviço a pessoas com familiares com necessidades especiais. Isso inclui oferta de promoções e descontos progressivos pelo uso contínuo de medicamentos. E como responsabilidade social,  o  custeio de serviços de informação,  cuidado, autocuidado e apoio às cuidadoras.

Os fornecedores de produtos de higiene não foram esquecidos. Na lista, também foi apontada a necessidade de promoções e descontos progressivos pelo uso contínuo de materiais, como fraldas geriátricas e outros produtos direta ou indiretamente ligados às demências. E claro, lembraram ainda a responsabilidade social das empresas.

Um dos desejos das cuidadoras é que sejam reconhecidas pela indústria farmacêutica, de produtos hospitalares e pela indústria automobilística. Que ofereçam preços mais acessíveis e subsídiados aos produtos que precisam adquirir, de cadeiras de rodas, camas hospitalares a carros adaptados.

Como esquecer das questões tecnológicas? Além de equipamentos subsidiados, as cuidadoras sonham com incentivo oficial ao desenvolvimento de soluções tecnológicas. Seja para apoio ao cuidado (câmeras, controle de rotinas,  gestão do cuidado) ou  para facilitar a vida de quem cuida.

Entre as cuidadoras que utilizam planos de saúde privados, há o desejo de que atuem diretamente na melhoria dos hábitos de prevenção de doenças e  “premiem” quem adota diferentes tipos de ações para prevenir as demências.

Também sonham com o dia que o orçamento da saúde será descongelado e o SUS, valorizado. O mesmo SUS que é considerado o maior sistema público e gratuito do mundo e atende 71% da população brasileira.

Elas sonham com urgência com a criação de “Ambulatórios do Cuidar” para atender as doenças das cuidadoras. E mais serviços públicos de apoio psicológico/psicanalítico ou ligados à universidades para o acompanhamento emocional de quem cuida.

E ainda há o desejo de que a atividade de cuidado familiar seja reconhecida como trabalho, levando em conta que muitas cuidadoras deixam sua profissão de lado para cuidar e estão envelhecendo. A maioria não terá direito à aposentadoria e ao envelhecimento com dignidade.

E quem sabe, com o apoio de outros grupos de cuidado em todo o país, se torne realidade a criação de uma rede nacional de cuidado para quem cuida, virtual e presencial?

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe sonhamos com o envolvimento da população para desenvolver uma cultura do cuidado Em todos os setores. Do executivo, ao legislativo e judiciário, passando pelas indústrias e serviços, contando com a participação das organizações sociais e das famílias. E incentivamos isso todos os dias.

Cosette Castro

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