A Difícil Tarefa da Despedida

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Nunca é fácil dizer adeus, seja para um par romântico, seja para um familiar.

São dores profundas para mortes distintas. A primeira, do amor romântico, é uma morte simbólica, que se concretiza no caso de separação. Mesmo que seja a gente que decida seguir outro caminho.

É a dor do que já não é; do que poderia ter sido e não foi. É a dor do luto pelo fim da relação. Pelo fim do sonho.

Essa dor merece respeito. E tempo.

A dor de dizer adeus para um familiar querido é  diferente. Se for a mãe ou o pai (biológicos ou adotivos), é uma dor lacerante que faz perder o rumo, ainda que temporariamente. Mesmo no caso de familiares com demências, cuja dor e sofrimento prolongados merecem descanso de ambas partes. De quem é cuidado e de quem cuida.

A ideia do “nunca mais” é  uma das questões mais difíceis de lidar. Em qualquer idade, cidade, estado,  país, língua ou religião. Independe de nível cultural ou educativo. A dor perpassa todas as classes sociais.  Nunca mais é nunca mais e ponto.

É possível aceitar a impermanência e a finitude depois de algum tempo. Mesmo que, no campo do desejo, lá no fundo, os pais nunca ficariam doentes. De preferência, congelariam no tempo vivendo sua vida de forma independente.

Nesse espaço do desejo e da imaginação, podemos seguir sendo filhas e filhos. Seguimos sendo cuidados, sem inverter “a ordem” do cuidado.

A morte exige  demandas legais. Essas demandas  exigem presença de quem fica. São assinaturas, idas a cartórios, gestão funerária, velórios, enterros ou cremação. Em alguns casos, inventários e partilhas que podem se arrastar anos.

Esse “tempo funerário”  não nos dá o tempo necessário pra compreensão da realidade e para despedidas.

Muitas gente liga o “piloto automático” e segue em frente, o que por um tempo pode ajudar a anestesiar a dor.

Esse estado de anestesia pode,  inclusive, barrar o choro. Por um tempo. Um dia um rio de lágrimas percorre nosso rosto e corpo inundando a alma. Expondo a ferida aberta que estava escondida sob o manto da racionalidade.

Aceitar a morte e a finitude não é algo fácil e não chega automaticamente. O nosso lado adulto (racional) sabe da importância do descanso para a pessoa enferma. Tem condições de reconhecer que era o melhor que poderia ter acontecido para alguém que está perdido, doente e sem memória.

Mas dentro de nós há uma criança que é toda sentimento. É essa criança que grita e esperneia de dor. E que quer espaço para  chorar o abandono.

O fim do corpo é também o fim do cuidado, embora esse cuidado por parte de pai ou da  mãe já não existisse realmente há anos. Estava ( e está) presente apenas no campo da memória afetiva.

Saber de tudo isso nem sempre diminui a saudade. Ou a sensação de orfandade, de perda das referências familiares,  ainda que elas sigam sim dentro de nós por toda a vida.

Na prática, não dá mais pra telefonar pra contar pra mãe em primeira mão o que aconteceu no dia. Não dá mais para ouvir  um conselho, risada ou repreensão. Nem toques ou abraços. Não dá mais pra contar para o pai algo que consideramos  importante no trabalho ou na vida. Nem da pra trazer de volta o irmão, mais novo, do meio ou mais velho.

Aceitar a partida é um processo demorado.

Perdas no Natal

No período de Natal é particularmente delicado perder um familiar. Deveria ser um  momento feliz, de encontros e reencontros familiares. Mas pode ser atingido pela dor.

Como lidar com a perda?  Não há fórmulas prontas. Dar tempo ao tempo é um primeiro passo.

Não se esconder da dor, nem se deixar afogar pela tristeza é outro passo. E buscar ajuda profissional, caso necessário. A escuta atenta  e continuada pode ajudar a compreender a dimensão da perda, ampliada em tempos de pandemia.

Apesar da tristeza, nossos entre queridos  vão viver dentro de nós enquanto estivermos vivos. E vão reviver cada vez que lembremos de um causo, de uma história engraçada, difícil ou triste. Mas principalmente vão reviver cada vez que alguém escutar, gostar  e multiplicar essas histórias.

Cosette Castro

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Cosette Castro

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