Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Quando um parente começa a apresentar mudanças, independente de que seja o pai, a mãe, irmão ou o companheiro, ficamos nos questionando: será que é isso mesmo? ou estou imaginando coisas?
A desconfiança nos faz acompanhar o familiar a diferentes médicos, em um leva e traz de exames até chegar ao diagnóstico final, o que pode tardar um ano. Enquanto não temos o diagnóstico fechado, são muitas as incertezas e sobressaltos emocionais.
Em geral, apenas uma pessoa da família assume a função do cuidado. E é difícil convencer os demais familiares de que a mudança pelo qual o familiar está passando não é invenção nem é passageira. É um caminho sem volta. Triste, tortuoso e, na maioria das vezes, solitário.
A negação da doença é o primeiro passo. E, dependendo da estrutura emocional e do envolvimento com a pessoa com demência, essa negação e consequente afastamento poderá durar anos.
Há filhos que não aceitam o diagnóstico. E, se forem filhos de casamentos diferentes, a situação pode se tornar ainda mais difícil. Disputas e jogos de culpa são pratos perfeitos para o afastamento de familiares, em discussões que podem acabar na justiça.
Entre famílias com irmãos de mesmos pais também existe negação. Esta é uma forma de não aceitar a doença e a irreversibilidade do quadro. É uma maneira de não olhar o problema. De não reconhecer que não há solução ou saída.
Ao “garantir” imaginariamente que não existe doença, a pessoa que nega “garante” para si, e tenta convencer os demais, que está “tudo bem”. No máximo, acredita que o problema é “ só velhice”. Ou “mania de velho”. Com isso, tenta – de forma inconsciente – barrar a dor. Tenta garantir que a sua criança interior não será abandonada pelo pai e pela mãe.
Aceitar que o pai, a mãe ou um companheiro não está mais ali, mesmo que seu corpo permaneça presente, é muito desgastante. Causa sofrimento mental diário. Nem todas as pessoas estão preparadas física e emocionalmente para lidar com isso. Por isso, o acompanhamento terapêutico e a participação em grupos de apoio são essenciais para enfrentar a longa jornada pela frente.
É comum ouvirmos relatos de irmãos, sobrinhos e netos que se omitem, se isolam e se afastam. No Coletivo Filhas da Mãe recebemos relatos das cuidadoras familiares onde é frequente o comentário de que ter 03, 04 ou 05 irmãos nem sempre faz diferença, pois carga física, emocional e financeira recai sobre uma única pessoa da família.
As filhas únicas sofrem muito porque não têm com quem dividir a tarefa do cuidado. Mas, por outro lado, não têm o desgaste da negociação com irmãos. Não existe sequer a possibilidade de que os irmãos possam, em algum momento, se dar conta – em geral com ajuda de tratamento especializado – da necessidade de estar presente no cuidado familiar.
Muitas vezes a justiça é acionada para fazer com que todos os filhos assumam de forma equilibrada a responsabilidade pelo cuidado do enfermo, conforme a Lei 10.741 de 2003. Mas apesar da promessa de compartilhar o cuidado perante a justiça, isso nem sempre ocorre na prática.
Em tempos de pandemia, por exemplo, alguns familiares deixaram de visitar a pessoa doente para protegê-la do Covid-19. Mas esta é uma verdade parcial. Também deixaram de telefonar, de fazer videochamadas, de enviar alimentos, de ajudar na compra de medicamentos, material de higiene, roupas, etc. O que caracteriza abandono e está previsto em lei.
A negação também ocorre entre casais quando uma das partes apresenta sintomas de demência. A negação acontece quando a pessoa saudável não acredita na doença. Quando quer convencer os demais que o enfermo está fazendo “por gosto”, “para chamar atenção”. E pode até deixar de dar medicação, para desespero de filhos e outros parentes.
Outra forma de negação é quando um deles acredita, romanticamente, que a pessoa enferma pode ser salva. Ou que vai permanecer ao seu lado, como sempre fez, “só que agora com um pouco mais de dificuldade”. Mesmo que as mudanças sejam cada vez mais gritantes.
Conhecemos historias de maridos que se afastam dos filhos, que afastam os filhos da mãe doente, sem permitir visitas.
Alguns mantém as esposas em um casulo, como se pudessem livrá-las do inevitável. Como se, com isso, pudessem ficar a salvo do esquecimento. Como se não pudessem, dependendo do caso, se tornar desconhecidos, depois de compartilhar a vida por 10, 20, 30 anos. Ou mais.
A desestruturação familiar também acontece entre casais, onde um deles precisa cuidar da pessoa com demência e levá-la para dentro de casa. Nem todo parceiro aceita e são conhecidos os casos de abandonos, onde a mulher fica a cargo da pessoa enferma e dos filhos. Uma sobrecarga física e emocional constante.
Quando estamos sozinhas frente a tantos desafios, às vezes a situação pode parecer sem saída. Lembre que há muitas pessoas passando pelo mesmo que você momento. Particularmente as mulheres que representam 82% do cuidado familiar no Brasil.
Peça ajuda. A escuta profissional pode contribuir para você compreender melhor suas dúvidas e sentimentos. Além disso, como já comentamos em texto anterior, há grupos de apoio em todo país atendendo online na pandemia.
PS: O Coletivo Filhas da Mãe apoia a campanha internacional de conscientização sobre a violência contra os idosos, lembrada no dia 15 de junho. Disque 100 pelo Fim da Violência Contra Idosos
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