Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Em texto anterior, falamos sobre um assunto doloroso: a burocracia após a morte de um ente querido, em meio a dor e ao luto. Hoje vamos seguir tratando de assuntos espinhosos: o cuidado antes da morte, em casos terminais. Nele, podemos deixar registrado nossos desejos e planejar o futuro.
Respire fundo! Não é um tema fácil.
Em geral não gostamos de pensar em planejamento do pré-morte. Nem da morte em si, porque pensar na finitude, nossa ou dos outros, assusta. Dói. É mais fácil deixar pra lá e seguir vivendo sem pensar adiante.
Estamos falando sobre os procedimentos que deverão ser tomados, caso uma de nós sofra um acidente grave ou sejamos acometidas por doenças sem cura, como ocorre com as doenças neurodegenerativas, por exemplo.
Isto é, estamos falando sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), popularmente conhecidas como Testamento Vital.
O Testamento Vital é uma espécie de Diretivas Antecipadas de Vontade. É um documento público, feito no cartório. Nele, uma pessoa, no uso das sua capacidade mental, pode deixar registrada (para a família, para o hospital e para os médicos) como quer ser tratada. Isso no caso de que a perspectiva de vida – com qualidade e dignidade – mude radicalmente. A pessoa decide e se responsabiliza sobre o seu futuro.
A responsabilidade sobre a vida e sobre a forma de morrer não é transferida para a família. A pessoa deixa registrado seus desejos e vontades. Reduz-se, assim, o risco de brigas em família, que podem ter opiniões diferentes dos desejos de quem sofre um acidente ou está enfrentando uma doença sem cura.
Além do Testamento Vital há ainda a procuração para cuidados de saúde. É outra espécie de Diretivas Antecipadas de Vontade. Nessa procuração, uma pessoa designa uma ou mais pessoas, informando ordem de preferência, para decidir sobre os cuidados relativos à sua saúde, caso venha a se encontrar impossibilitada de expressar livre e autonomamente a sua vontade. Aqui os desejos e vontades são terceirizados. Outra pessoa fica responsável por decidir por você, em seu nome.
Diretrizes Antecipadas de Vontade são diferentes de testamento. O testamento começa a entrar em ação depois da morte. Já a DAV garante que a vontade da pessoa enferma ou acidentada seja cumprida, enquanto ainda está viva, mas inconsciente.
Ao deixar registrada uma DAV no cartório e entregar copias para a família, é possível evitar conflitos. Quando – e se – ocorrer um quadro irreversível de saúde, o médico só poderá realizar o prolongamento da vida, como o uso de práticas de reanimação, mediante autorização da paciente. Essa dolorosa decisão deixa de recair sobre familiares ou amigas que, em meio a burocracia hospitalar e procedimentos médicos, precisam lidar com o medo, o desespero e com sua própria dor.
Embora ainda sejam pouco usadas no Brasil, um país que se nega a reconhecer que está envelhecendo, o uso de DAVs vêm crescendo em outros países. Nos últimos anos 20 anos, Espanha (2002), Alemanha (2009), Reino Unido (2009), Uruguai (2009), Argentina (2009), Portugal (2012), França (2016) e Itália (2017) regulamentaram legalmente o tema.
As DAVs no Brasil
Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) criou a resolução CFM nº 1.995. E no Congresso Nacional há um projeto de lei desde 2018 (PLS 267), que dispõe sobre sobre as DAV e os cuidados médicos em pacientes em determinadas situações..
Com a chegada do Covid-19, da gravidade do vírus e da necessidade de isolamento social, é possível registrar uma DAV de forma eletrônica no cartório, a partir de videoconferência.
Em tempos de pandemia, a pessoa contaminada por COVID-19 não poderá ser acompanhada por seus familiares ou amigos ao ser internada. Isso pode significar uma morte mais solitária do que as que ocorrem normalmente no ambiente hospitalar, quando as visitas e acompanhantes são permitidas. O registro dos seus desejos sobre cuidados médicos e hospitalares poderia ajudar a receber tratamentos que respeitem sua vontade, garantindo qualidade de vida.
Em um primeiro momento, conversar sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade pode causar constrangimento e rebuliço na família e mesmo entre amigas. Algumas pessoas podem até confundir a proposta de planejamento do futuro com depressão ou desapego à vida. Afinal, falar sobre sentimentos e desejos são temas pouco discutidos nas famílias. Mas pode ser um bom exercício para mudar a cultura do silêncio sobre viver e (como) morrer em um país como o Brasil.
PS: Gratidão a Cristina Flores pela sugestão de pauta.
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