Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – O Brasil é um país sem memória. Desvaloriza o passado e sua trajetória. O Brasil segue acreditando que é um país de jovens, reforçando o mito da eterna juventude, muito distante da realidade.
Somos o país que está envelhecendo mais rapidamente no mundo e o que mais pratica o negacionismo. O país mantém o triste recorde de ser o campeão em cirurgias estéticas desde 2019, conforme já comentamos em publicação anterior.
Quem se nega a envelhecer, vira as costas para si mesma. Renega sua história de vida, sua experiência acumulada tentando congelar o tempo. Mas é impossível. O tempo não volta atrás.
Você vai precisar, sim, abrir mão do corpo ideal e do rosto sem rugas de quando tinha 30 ou 40 anos. E vai descobrir que é cada vez mais difícil perder dois ou quatro quilos. Então, convidamos você assumir os pés de galinha, as rugas, as cabelos brancos e as pequenas manchas na pele com muito orgulho. (Se as manchas cresceram, procure uma médica).
Também descobrimos algumas restrições com o passar do tempo. Talvez um pouco mais de cansaço e dores no corpo (não, não é possível dar conta de tudo que fazíamos com 30, 40 anos). Começamos a acordar cada vez mais cedo e a tirar sonecas depois do almoço. Mas também descobrimos novas temporalidades e novas formas de viver que não conhecíamos antes dos 60 anos.
Sim, nos aproximamos mais da morte. Mas isso pode acontecer amanhã ou com 90, 100 anos se depender dos avanços da ciência. Se tivermos uma alimentação saudável, fizermos exercícios diariamente, tomarmos sol, fizermos check up anuais e seguirmos nos desafiando e aprendendo coisas novas, podemos chegar lá com qualidade de vida.
Ainda que individualmente façamos vários esforços pela saúde física e mental, também é verdade que o Brasil é um país que não cuida de seus idosos. E se for uma idosa ou um idoso de baixa renda, mais descuidado é.
Como comentamos no texto de segunda-feira, 12 de abril, em termos coletivos, não temos políticas públicas de cuidado nem para idosos saudáveis, nem para os enfermos e muito menos para quem cuida.
Em plena pandemia, o governo federal pretende terminar com os Fundos Públicos, entre eles o Fundo Nacional do Idoso, deixando a míngua os mais de 29 milhões de brasileiros idosos e além deles e delas, suas cuidadoras (familiares, informais – amigas e vizinhas e profissionais).
Como espelho de um governo que ignora seus idosos, os bancos, as empresas, as indústrias, as instituições públicas e serviços de transporte desconhecem a realidade, as necessidades e as dificuldades dos idosos. Motoristas de ônibus, por exemplo, não têm paciência de esperar o andar mais lento e com mais dificuldades dos 60+. Infelizmente é comum o ônibus arrancar e deixar uma idosa na rua. Isso quando não causam acidentes, fazendo com que a pessoa caia.
Empresas públicas e privadas tratam idosos como clientes de segunda categoria. Atendentes não têm paciência e, muitas vezes, infantilizam o idoso. Algo que se repete também dentro de casa, nos núcleos familiares. As empresas em geral não oferecem lugares arejados, bancos ou cadeiras, um copo de água, esquecendo que pessoas idosas cansam mais rápido e precisam estar hidratadas.
Ligar para qualquer tele-atendimento, é outro drama. Horas tentando passar pelas coordenadas enviadas por uma voz mecânica até chegar a falar com um atendente humano, o que pode demorar mais outra hora. Enquanto isso, ficamos escutando que somos o número X da fila junto com uma musiquinha repetitiva. Quando não dá certo, é preciso resolver presencialmente o problema.
Vejamos o caso dos bancos, públicos e privados. Quando alguém com mais de 60 anos perde ou esquece a senha, bloqueia a conta e precisa ir ao banco de máscara e álcool gel na mão, começa uma verdadeira maratona.
Os funcionários do banco testam a paciência dos idosos. São capazes de fazer com que a pessoa troque três senhas no mesmo dia. E faça e refaça a biometria em um, dois, três e até quatro dedos. Eles desconhecem que as digitais de quem tem 60, 70 ou 80 anos são bem mais difíceis de conseguir.
As atendentes em geral não estão preparadas para atender idosos, que, muitas vezes, falam alto, principalmente quando não escutam bem. Em resposta, a atendente começa a falar ainda mais alto. E o espaço da fila do banco, em geral o mesmo local dos caixas eletrônicos, se torna um burburinho, aumentando os níveis de cansaço, irritação e possíveis mal-entendidos.
Ser idosa no Brasil não é fácil, ainda mais quando a publicidade mostra diariamente gente jovem, branca e com corpos perfeitos. Quando os programas de TV e da internet seguem vendendo o mito do país jovem. E quando os filmes mostram pouquíssimas artistas com mais de 60 anos em papeis principais, que não estejam doentes ou morrendo.
Ainda assim, apesar de todas as dificuldades e preconceitos, as marcas do tempo seguem aparecendo diariamente no espelho. Deveríamos estar felizes por isso. Estamos vivas e temos muitas histórias para contar.
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