#Sextou não existe para cuidadoras familiares

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Em tempos de pandemia, a hashtag sextou perdeu o   sentido para  as pessoas que têm amor à vida e sabem os riscos do Covid-19 e suas variantes. Para cuidadoras e cuidadores familiares  a expressão sextou  sequer existe, pois o fim-de-semana costuma ser pesado, solitário e de muito trabalho.

Quem não pode contar com outro familiar ou com cuidadora profissional para ter um alívio no final da semana, sabe que não há folga.

É preciso aproveitar o sábado e domingo (principalmente se a pessoa que cuida  também trabalhar fora de casa) para comprar remédio, ir ao supermercado, lavar, estender e passar roupa, preparar comida, limpar casa. E, claro, cuidar de um ou mais familiares, que podem pertencer a diferentes gerações –  de crianças,  a idosos ou enfermos. Ufaa!

Por um bom tempo – muito antes de nos conhecermos –  trabalhávamos durante a semana e viajávamos no fim-de-semana. Uma fazendo o trajeto  São Paulo – Brasília (Ana) ou Brasília –  Porto Alegre (Cosette)  para atender as mães,  ambas com diagnóstico de Alzheimer. A ideia era garantir que elas pudessem viver o máximo possível em suas casas.

Não, não era uma visita idílica, de turismo ou pra se divertir. Eram visitas para pagar contas, resolver problemas com as  cuidadoras da semana (ou com familiares), prover alimentos e remédios. Não havia descanso nem a remota possibilidade de dormir até mais tarde. E muitas vezes, o fim-de-semana era estendido para  conseguir conversar com médicos e outros profissionais.

Mas isso não era o mais pesado. O mais difícil era a solidão.

Não havia cuidadoras nem cuidadores  no final de semana em Brasília ou nas viagens a Porto Alegre . A responsabilidade caía sobre nós. Quase não recebíamos visitas, porque era um trabalho a mais, desde pensar a comida até a limpeza, sem contar o cansaço e a possível  irritação de um paciente com Alzheimer com barulhos, risadas e tons de voz alterados.

Os encontros em geral aconteciam fora de casa tanto em Brasília como em Porto Alegre.  Podiam ser  caminhadas no sol, uma visita ao café ao lado de casa, um piquenique no jardim ou no parque.  De preferência a  tarde, com direito a  lanchinho, picolé, pipoca ou  pão de queijo.

Visitas rápidas ao shopping para lanchar também deram certo por um bom tempo em Porto Alegre e em Brasília, mas  o avanço do Alzheimer acabou por tirar o sentido do passeio, assim como ir ao cinema,  que ficava assustadoramente  escuro;  tentar acompanhar um espetáculo musical ou de teatro. Ou mesmo assistir uma mostra de arte.

Na agenda, adaptada a rotina de pacientes com demências, nada de visitas a noite, nem jantares. Pessoas com demências cansam rápido, se irritam, estranham  e precisam manter suas rotinas. Com a rotina, elas ficam (relativamente) tranquilas e quem cuida,  também.

Uma das coisas que mais dava certo nesses sábados e domingos era a música. No caso da Normita,  em Brasília, vídeos de música com direito a sessão de  pipoca e dança até os 84 anos (isso que não existia Spotify e era demorado fazer playlists).

No caso da Carmencita, primeiro em Porto Alegre e depois em Brasília,  a música foi importante e as coleções de CDs ajudaram,  mas não podia se alongar muito tempo porque passava a ser ruído e ela se incomodava. Dança, só alguns minutos em alguma festa especial.

E você,  aproveita pelo menos uma hora do dia para ouvir música com seu familiar?

A música é a última memória a ser perdida em pacientes com Alzheimer. É saudável  estimular essas memórias a partir dos  diferentes ritmos  musicais  levando em conta  a história pessoal da/o familiar.

Uma  ideia é  estimular a cantoria de músicas antigas. Ou  músicas dançáveis, caso elas ou eles gostem e tenham possibilidade de se mexer  mesmo de forma restrita: cabeça,  braços ou mãos. Ou simplesmente ficar  escutando o ritmo fluir pelo corpo. Não existe uma única fórmula de partilhar a música; cada pessoa tem personalidade, gostos e temporalidades diferenciadas.

Momentos musicais também  podem ser divertidos e  fazer bem para quem cuida de um (ou mais) familiares.

Já imaginou quantas lembranças podem vir a tona ao selecionar playlists com músicas da  sua infância e adolescência?  Já pensou  cantar e dançar na frente da pessoa querida  com plumas e paetês, com fantasia,  ou saltitando, só pra rir a toa e  fazer palhaçada?

Sugerimos ainda aproveitar uma hora do dia só para você.

Se der para ver o pôr-do-sol, ótimo. Mas também vale um banho demorado, daqueles que aliviam dores no corpo.

Ou a noite, quando o silêncio chegar, aproveite para chamar – virtualmente –  uma pessoa querida pra beber algo, contar histórias, chorar, rir,  cantar ou dançar. Também dá para  compartilhar músicas antigas ou a dica musical mais recente que você recebeu.

Se por acaso você tiver muito cansada, aproveite as músicas de meditação, com sons da natureza, para simplesmente desfrutar (ainda que por pouco tempo) a cama.

PS1: Que tal fazer uma nova experiência? Participar de aulas de canto, mesmo que acredite que não tenha “boa” voz.

PS2: Já pensou nas músicas que te fazem bem? Peça ajuda e crie uma ou mais playlists.

PS3: Conte para nós que música você está escutando ou gostaria de escutar. Para deixar comentários, role a página até o final.

Cosette Castro

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