Dermeval Farias, promotor de Justiça
O que levou à rejeição a seu nome pelo Senado para a recondução ao mandato de conselheiro do CNMP?
O Senado é uma instituição relevante para a democracia, que sempre foi respeitado e elogiado nos meus votos no CNMP. Sem um poder parlamentar forte, afinado com os ideais do povo, a democracia não se consolidará. Não deixarei de pensar dessa forma em razão da rejeição. No presente caso, considerando a orientação de algumas bancadas e o número de votos contrários, bem como o fato de o presidente da Casa não ter utilizado um precedente anterior e recente, para interromper a votação, adiá-la para outro dia, de modo a evitar a rejeição — como fora solicitado por vários senadores durante a votação do meu nome —, creio que os senadores, que disseram não ao meu nome e ao nome do Lauro (Machado Nogueira), talvez não receberam a melhor orientação de sua única fonte no CNMP. Ressalto que fui aprovado, no fim de junho, na sabatina do Senado, por unanimidade. Na oportunidade, explicitei que sempre votei tecnicamente para reconhecer eventuais abusos e observar o devido processo.
Foi uma surpresa?
Sim, recebi com surpresa. Outro fato que pesou foi uma disputa pela Corregedoria Nacional. Já tínhamos um candidato de consenso, Marcelo do MPM, mas, nos últimos meses, uma ala externa ao MP resolveu apoiar outro nome. Como não tinham votos para vencer, talvez a minha queda e a queda do Lauro estejam no prato da rejeição. O tempo dirá. Enfatizo que não tenho rancor, não guardo mágoas de ninguém, nem dos que articularam o plano contra mim e contra o Lauro. Aprendi ao longo da caminhada cristã a dar o outro lado da face e a ser sempre transparente, sem recuar e sem retroceder em valores inegociáveis.
É possível reverter isso?
Já houve um outro caso no passado, em 2005, quando o Senado voltou atrás numa rejeição. Todavia, para tanto, é necessário costurar grande apoio político e ter a força do presidente. Portanto, a solução não é simples.
Foi uma ofensa ao MPDFT, uma vez que você foi eleito com votos de toda a classe sem concorrência?
Sim. Na primeira eleição, concorri com três valorosos colegas, quando obtive mais de 70% dos votos da classe. Na segunda eleição, concorri sozinho e recebi 312 dos três 315 votos apurados. Recebi mensagens e ligações de quase toda a classe de membros do MPDFT e de centenas de colegas do MP brasileiro, nos últimos dois dias. Todos ficaram indignados, não com relação ao aspecto formal, que compete ao Senado decidir, mas, sim, diante das razões da rejeição e pela forma como se deu a articulação nos bastidores em um intervalo pequeno de cerca de 15 dias.
Acredita que haja uma guerra no meio político contra a Lava-Jato?
Sim. Mas é importante ressaltar que o CNMP, nos últimos três anos, aplicou mais de 150 punições, muito, muito mais que o CNJ. O poder político, talvez, não compreendeu que as punições aplicadas pelo CNMP, para membros do Ministério Público, tanto para os que atuam na Lava-Jato quanto para os que labutam diariamente em processos de furto e estelionato ou em outras áreas, não podem estar condicionadas ao status do representante (parlamentar ou ministro do STF). Qualquer punição, em um Estado Democrático de Direito, deve estar alicerçada em fundamentos jurídicos, legais e constitucionais, com provas lícitas e em razão de fato ilícito, perpetrado pelo membro. E mais, muitos temas ainda são polêmicos no plenário do CNMP, como os que envolvem liberdade de expressão. Isso faz parte do debate democrático e é comum a divisão de opiniões em órgãos colegiados, portanto o conselheiro do CNMP não pode ser etiquetado como inimigo de parte do Senado ou do STF, e não pode se submeter a um cabresto, por pensar de forma diferente, de algum senador ou de alguma linha de parte do STF, em relação a um tema tão polêmico no meio jurídico.
Qual é o balanço que você faz dos dois anos de mandato no CNMP?
Foram dois anos de atuação independente, sem corporativismo e sem se submeter à qualquer linha de perseguição política interna ou externa, sem recuar diante de ameaças, de risco à não recondução caso votasse do modo X ou do modo Y. Foram dois anos de defesa do enunciado 6 (garante a não ingerência do CNMP na independência funcional do membro do MP), tão combatido por alguns membros externos ao MP. Na presidência da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, com uma equipe de colegas e servidores de elevada competência, conseguimos restabelecer diálogos e parcerias com o CNJ, Ministério da Justiça, Ministério de Direitos Humanos, TCU e muitos outros órgãos, de modo a fomentar políticas públicas eficientes para alcançar um patamar de cumprimento da lei e de respeito aos direitos humanos nas três áreas mencionadas.
Como foi esse trabalho?
Conseguimos, com os membros do MP brasileiro que atuam nessas temáticas, adotar medidas uniformes para exigir o devido uso dos recursos do FUNPEN, um modelo de atuação nos casos de crise do sistema prisional e de segurança pública, a divulgação em BI (business intelligence) do sistema prisional em números e muitos outros feitos. Temo a não continuidade desse trabalho, reconhecido por todos os colegas e por órgãos independentes.
Quais são seus planos agora?
Muitos colegas querem que eu seja candidato único, novamente ao CNMP, logo agora, no processo que deve se iniciar nos próximos dias no MPDFT. Não o serei. O MPDFT possui muitos outros nomes que poderão exercer o mandato com dignidade. E a maioria do Senado entenderá, um dia, que errou na minha rejeição. Por ora, voltarei para a minha promotoria de justiça (júri-criminal) e continuarei lecionando direito penal. A política institucional será objeto de reflexão mais adiante. Não tenho apego ao cargo político, fiz concurso para ser promotor de justiça e para defender a sociedade, com direito e com equilíbrio, sem arranjo e sem voluntarismo. Agradeço imensamente aos meus colegas de MPDFT pelo apoio nessa caminhada. Seus valores me inspiram a prosseguir e a acreditar em um melhor futuro para a democracia brasileira, onde o bem do povo e a justiça superem as perseguições aos que buscam fazer o que é certo e que não retrocedem, que não negociam valores inegociáveis.
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