“Não há espaço para a tolerância à desinformação”, diz ministra Vera Lúcia Santana Araújo

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Texto por Ana Dubeux — Em meio a um cenário de fortes tensões institucionais, avanço da desinformação e crescente polarização política, a ministra Vera Lúcia Santana Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assume em 2026 a função de juíza auxiliar da propaganda eleitoral. Nesta entrevista ao Correio, ela avalia os desafios da Justiça Eleitoral diante do impacto das novas tecnologias no processo democrático, discute a judicialização das eleições e reflete sobre os limites entre liberdade de expressão e o combate às fake news. A ministra também defende políticas afirmativas e destaca a necessidade de enfrentamento à violência política de gênero.

Quais são hoje os maiores desafios da Justiça Eleitoral brasileira?

Os desafios são basicamente os mesmos da sociedade, dos poderes constituídos — consolidar o processo democrático iniciado com a Lei de Anistia de 1979, celebrado com a Constituição Federal de 1988, enfrentando turbulências com afirmação de que seguiremos a trilha dada pelo Estado de direito, hoje sob um mundo sem fronteiras em termos de tecnologias de informação.

A crescente judicialização das eleições é uma preocupação? Como equilibrar rigor jurídico e segurança democrática?

A judicialização em si não é motivo de preocupação. O sistema judiciário brasileiro, em especial a Justiça Eleitoral, tem robustez bastante para responder às legítimas representações dos partidos políticos, candidatos e candidatas, bem como de qualquer do povo que tenha legitimidade processual para acionar o judiciário justiça.

O combate à desinformação eleitoral continuará como prioridade?

Seguramente. A qualidade da informação é requisito essencial ao processo eleitoral democrático. O exercício livre e soberano do voto não pode ser comprometido pela desinformação como uma política que precariza e arranha a estrutura institucional da sociedade e do Estado.

Onde está o limite entre coibir notícias falsas e preservar a liberdade de expressão?

A liberdade de expressão — e a nossa presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, é uma referência na defesa desta garantia constitucional —, não se confunde com notícias falsas. Nesse sentido, não há que se tolerar a notícia falsa, que costuma se prestar ao fomento de discursos de ódio, caluniosos, misóginos, racistas, homofóbicos. O combate às práticas criminosas no trato da informação somente fortalece a liberdade de expressão.

Como a Justiça Eleitoral pode atuar diante da polarização política sem perder sua imparcialidade?

Tenho que essa questão não constitui dilema à magistratura eleitoral, vez que o papel dado à Justiça Eleitoral pela Constituição Federal estabelece com precisão onde e quando o Estado atua, sobressaindo aí o papel responsivo dos partidos políticos. São eles, os partidos, os grandes protagonistas da cena política na construção de seus candidatos e candidatas, na gestão dos recursos financeiros destinados à organização, formação política de seus quadros e custeio das campanhas eleitorais, ou seja, fundamentalmente, incumbe à sociedade e suas representações políticas a fixação de balizas, limites, que não venham a premiar exatamente discursos e práticas tóxicas.

Como a Justiça Eleitoral pode contribuir para ampliar a participação feminina e o respeito às cotas de gênero?

O Tribunal Superior Eleitoral tem demonstrado de forma inequívoca, sua obrigação de fazer cumprir as políticas afirmativas de inclusão da mulher na vida política partidária, ocupando os lugares que lhes pertencem por direito constitucional e normas emanadas do Congresso Nacional. A busca da efetividade da legislação é objeto inclusive de Súmula do TSE, com imposição de todas as sanções legais aos partidos responsáveis por fraudes à cota de gênero.

O enfrentamento à violência política de gênero seguirá no centro da atuação institucional?

Certamente. Combater a violência contra a mulher é um imperativo das forças democráticas da sociedade brasileira. Os números crescentes de feminicídio, em especial das mulheres negras, revelam um grave adoecimento que encontra no ambiente público da política, mais um terreno fértil para práticas de violência contra as mulheres, a exigir, no caso, do sistema da justiça eleitoral, as prontas e eficazes respostas, mas as políticas preventivas passam em boa medida pelas agremiações partidárias.

Que avanços ainda são necessários para garantir eleições mais inclusivas?

Olha, nossa vocação positivista tem construído normas jurídicas que já deveriam garantir uma representação política em todos os níveis, mais coerente, compatível com a composição da população, majoritária que é de negros, de mulheres. É certo que há instrumentos legais mais efetivos como, a reserva de bancada e não a cota, jamais alcançada pelas mulheres, embora tenhamos lei para isso desde 1995. Como se vê, são obstáculos reais, mas não intransponíveis, e a Justiça Eleitoral, com as atribuições dadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, está pronta para seguir cumprindo a ordem democrática.

Ronayre Nunes

Jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). No Correio Braziliense desde 2016. Entusiasta de entretenimento e ciências.

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