O andamento das investigações do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) no âmbito da Operação Falso Negativo preocupou alguns dos integrantes da Secretaria de Saúde que acabaram presos, em 25 de agosto.
Segundo a acusação, ligações interceptadas em 16 de julho indicaram que dois dos investigados tentavam construir uma mesma versão de defesa, a fim de “prejudicar a instrução processual”.
Em conversa com o secretário-adjunto de Gestão em Saúde afastado Eduardo Pojo, uma das preocupações do então subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde, Iohan Andrade Struck, era de que as investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT, pudesse atingir a mulher dele, enfermeira do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF). Ela não estava entre os alvos da segunda fase da operação.
A transcrição do diálogo consta na representação apresentada pelo Ministério Público para pedir a prisão preventiva dos suspeitos, em 10 de agosto. Confira um dos trechos, que consta nas páginas 220 e 221 do documento:
Eduardo – Mas ela, em algum momento, ela (a enfermeira) passou pelo, pelo processo (de compra de testes rápidos)?
Eduardo – É porque, na verdade, eu preciso… Eu não sei o que a gente vai falar […] disso, de repente, não é nada disso, mas, enfim, eu quero tá preparado. Entendeu?
Em outro trecho, Eduardo e Iohan comentam que o processo não tem o nome da enfermeira, mas que informações do Portal da Transparência indicam que ela é a chefe de compra de insumos diversos no Iges-DF.
Ainda segundo a representação do Ministério Público, trechos das interceptações indicaram que os integrantes da cúpula da Secretaria de Saúde mantinham “contato intenso” para ajustar a contratação de um advogado para Iohan e o diretor afastado do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-DF) Jorge Chamon.
Para o MPDFT, ao então secretário de Saúde, Francisco Araújo, caberia a escolha do advogado que faria a defesa dos investigados. “É isso, é isso. Assim, aí cara, eu vou amanhã, eu vou falar com o secretário (de Saúde, Francisco Araújo) que eu liguei no advogado e ele não tá sabendo de nada. E perguntar se realmente a gente vai ter ou não ter defesa, senão, eu vou levar para o Carlão amanhã e falar ‘Carlão eu quero que você me represente, entendeu?'”, disse Chamon, segundo documento do MPDFT.
Investigações
A segunda fase da Operação Falso Negativo resultou na prisão de sete integrantes do alto escalão da Secretaria de Saúde, por suspeitas de fraudes em dois processos de compra de testes rápidos para detecção da covid-19. Os produtos seriam oferecidos à população por meio de sistema drive-thru.
No entanto, segundo as investigações, a aquisição dos insumos teria ocorrido de forma a beneficiar empresas. O superfaturamento teria provocado um prejuízo superior a R$ 18 milhões. Além disso, as marcas dos produtos, segundo o Ministério Público, seriam de baixa qualidade para detectar a doença.
Um dos alvos da operação, o subsecretário de Vigilância à Saúde afastado Eduardo Hage teve o pedido de habeas corpus deferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi liberado.
Cinco outros permanecem presos. Entre eles, quatro apresentaram pedido de revogação da prisão à corte, que os indeferiu. Agora, os suspeitos aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Os processos serão analisados pela ministra Cármen Lúcia.
Iohan Struck ainda não se apresentou às autoridades e é considerado foragido pelo Ministério Público. Inicialmente, a justificativa apresentada pela defesa do subsecretário afastado era de que ele estava com suspeita de covid-19. Contudo, o primeiro teste feito teve resultado negativo.
Representante de Iohan na Justiça, o advogado Alexandre Adjafre afirmou que não tem informações sobre o estado de saúde do cliente, pois está fora do DF. “A última informação que tive data de meados da semana passada, mas veja que o governador do DF (Ibaneis Rocha) passou por problema parecido. Primeiro testou negativo, depois refez o exame e testou positivo. Isso, infelizmente, tem acontecido com alguma frequência, e pode ter sido o caso de Iohan também, já que ele permaneceu com alguns sintomas da covid-19”, disse o advogado.
A defesa do Iohan também tenta conseguir a revogação do pedido de prisão preventiva. Na semana passada, foi protocolado um pedido que questiona a medida e solicita a apuração de suposto abuso de autoridade cometido pelo Ministério Público. O desembargador que analisa o processo, Humberto Adjuto Ulhôa, aguarda manifestação do MPDFT.
Diálogos
Em relação aos diálogos, Alexandre Adjafre questionou o que eles dizem, de fato. “Uma combinação? Se sim, de quem para quem? Ali (na data da conversa), já tinha havido a primeira busca e apreensão de bens. Óbvio que todos que sofreram tal procedimento ficam preocupados. Qualquer um, por mais que seja inocente, não gostaria de ver seu nome envolvido em algo e procura entender o que está acontecendo. Principalmente o Iohan, que vinha, antes de tudo, repassando (informações) para o próprio MP, como forma de (dar) transparência a todos os detalhes das licitações”, completou o advogado.
Sem contratação
A defesa de Francisco Araújo afirmou que Iohan Struck e Jorge Chamon chegaram a procurar o escritório de advocacia que representa o secretário afastado, mas não houve contratação.
“Quando houve a primeira fase da operação, o Francisco sequer foi alvo. Ele comentou comigo e meu sócio se poderíamos receber duas pessoas da secretaria. Dois funcionários públicos alvos da operação. Meu sócio atendeu os dois, conversou e não fomos contratados. Não havia orientação para que fizéssemos a defesa de ninguém”, ressaltou o advogado Cleber Lopes.
A reportagem aguarda retorno das defesas de Eduardo Pojo e Jorge Chamon.
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