“Com a Lava-Jato, tínhamos avançado no combate à corrupção”, diz Chico Leite

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Coluna Eixo Capital/Por Ana Maria Campos
À QUEIMA-ROUPA

Chico Leite
Procurador de Justiça, ex-deputado distrital

“Com a Lava-Jato, tínhamos avançado no combate à corrupção.
Agora, para minha surpresa, enfrentamos um debate civilizatório”

Você foi o autor do primeiro projeto de lei que tinha como tema permitir que a Câmara Legislativa aceitasse assinaturas digitais para a apresentação de projetos de iniciativa popular. Por que o texto foi rejeitado?

Meu sentimento é o de que, ao rejeitar o esforço para acolher projetos de iniciativa da população, a Casa Legislativa acabou desprestigiando exatamente quem deveria representar. Abdicou do protagonismo, que agora passou ao Congresso, e desperdiçou a oportunidade de concretizar um instrumento democrático que hoje, lamentavelmente, é apenas uma promessa constitucional não cumprida. Na mesma sessão, assisti, com muita tristeza, rejeitarem também minha proposta de que as relatorias dos projetos fossem distribuídas por sorteio, aleatoriamente, como no judiciário e no MP, ao invés da designação direta ou avocação pelo presidente da comissão, para evitar barganhas e motivações ás vezes inconfessáveis.

Para a apresentação de projetos populares, é exigido um mínimo de apoio de cidadãos, mas é difícil recolher essas assinaturas e depois conferi-las… Não seria bem mais simples esse modelo digital?

Mais simples e efetivo. Seria a demonstração de que a vontade da sociedade é bem-vinda sempre, e não somente na hora de depositar o voto na urna eletrônica.

Você se inspirou em algum legislativo?

Quem me inspirou foi o Dr. Marlon Reis e o movimento de combate à corrupção eleitoral. Mas seríamos pioneiros, como outrora já fomos no fim do voto secreto parlamentar e do nepotismo, na obrigatoriedade da publicação dos gastos dos parlamentares e na exigência de ficha-limpa para o exercício de cargo público, que eu propus, e as legislaturas da época compreenderam a importância e aprovaram.

Olhando agora de fora do Legislativo, acha que, em geral, os parlamentares estão dessintonizados com a população?

A sintonia nasce quando a população enxerga coerência entre a prática do eleito e o discurso do então candidato. E se fortalece na medida em que os parlamentares , durante o mandato, dediquem-se aos interesses da cidade e do país , e não a transformarem os mandatos em balcão de negócios ou em carreiras, meios para ascender social e economicamente na vida. Política não é profissão e o eleitor não costuma perdoar a quem lhe dá as costas

Sobre segurança pública, qual é a sua avaliação sobre sses casos de feminicídio registrados no DF? ente que tem aumentado? O que leva a essa onda de violência?

O feminicídio é resultado de uma cultura machista e misógina, de objetificação da mulher e de intolerância com as diferenças. E tem aumentado com o retrocesso político que vivenciamos, de estímulo ao ódio e a desqualificação de quem divirja. A saída seria a opção por providências preventivas duras, de prisão ou tornozeleira, para o primeiro esboço de agressão, com o intuito de evitar o mal maior. Mas, se não levarmos a sério a proliferação da violência, a partir da pregação das próprias autoridades que deveriam cultivar a paz, pouco adiantará a aplicação da lei, porque ela não trará de volta as vidas que desejamos preservar.

Oito meses depois do fim do governo Rollemberg, o DF melhorou, piorou ou está nas mesmas condições?

Permanecemos com problemas fiscais e com o desafio da retomada do desenvolvimento, para a geração de emprego e renda. O que mais me preocupa, no entanto, sinceramente, é a agenda de um grupo hegemônico nacional, que se reflete aqui na capital – e que eu imaginei um dia termos superado, com a redemocratização do Estado brasileiro, – de secundarização da educação como formadora de melhores seres humanos; de privatização da saúde coletiva e do patrimônio das famílias pátrias; de admissão da mentira e de fake news, como ferramentas da política; de incentivo ao armamentismo, ao desmatamento, ao sexismo e ao racismo; de desrespeito à diversidade; de esmagamento das minorias; de precarização da segurança e da saúde dos trabalhadores e de flexibilização dos conceitos de trabalho escravo e infantil; de provocação de instabilidade às relações jurídicas; de tentativa de desmoralização de personalidades e dos poderes constituídos; enfim, de retorno a um ambiente de autoritarismos e propriedades da verdade. Com a Lava-Jato, tínhamos avançado no combate à corrupção – independente do comportamento questionável de um ou outro de seus atores, de que a justiça cuidará. Agora, para minha surpresa, enfrentamos um debate civilizatório. Ainda bem que a Carta de 88 e o aprendizado da nação, com todos esses trinta anos de luta, nos legaram instituições amadurecidas.

Ana Maria Campos

Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.

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