Documento de 27 de dezembro, no entanto, não foi enviado. Múcio teria descartado medida
Por Samanta Sallum
Existe um documento oficial elaborado pelo Governo do Distrito Federal para o ministro Alexandre de Moraes, do STF, em que pede autorização judicial para entrar na área de jurisdição do comando do Exército e desmontar o acampamento bolsonarista no QG em Brasília. A petição, que o blog teve acesso, foi elaborada na noite de 26 de dezembro e inserida no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do GDF, no dia 27, às 11h19 da manhã, pelo histórico registrado. E lá continua, conforme apurou o blog.
Reunião no Buriti
Naquela mesma manhã, do dia 27, o governador Ibaneis Rocha recebeu Flávio Dino e José Múcio no Palácio do Buriti, na condição de futuros ministros da Justiça e da Defesa do presidente eleito Lula. Dino levou a grande preocupação que tinha com a segurança da cerimônia de posse no dia 1o de janeiro. Segundo o blog apurou, Ibaneis disse a eles que faria uma ação mais enérgica com o DF-Legal no acampamento. E foi mencionado também que seria enviado o pedido de autorização judicial a Moraes para que a PM pudesse entrar lá e realizar uma operação de desmonte.
Freio
Dino teria gostado das ações. Mas Múcio, na reunião a portas fechadas, teria dito a Ibaneis que a medida não fosse levada adiante naquele momento. Teria afirmado que “tais providências não seriam necessárias”, por já ter informações do Exército de que o acampamento, de forma voluntária, seria desfeito no dia 29 de dezembro. O que não aconteceu.
Nova tentativa
Diante da permanência do acampamento no QG, o GDF, por meio da Casa Civil, atualiza a petição, que já estava inserida no sistema, mas não tinha sido enviada a Moraes. No entanto, outras avaliações chegam: de que já estava muito perto do dia da posse e, até obter a decisão judicial, preparar a ação de retirada e executá-la, estaria em cima da hora do evento, podendo gerar um distúrbio generalizado que colocasse ainda mais em risco as celebrações na Esplanada.
“Combate a atos antidemocráticos”
O documento elaborado pela Casa Civil do DF, que estava pronto para ser assinado e enviado ao STF, no dia 27, destaca:
“….. no combate a atos antidemocráticos, que afrontam a Constituição Federal, solicito autorização judicial para que o Governo do Distrito Federal proceda a desocupação do acampamento no Quartel General do Exército em Brasília”.
A petição está ainda no SEI do GDF, mas em campo restrito. Para acesso público, apenas por meio da Lei de Acesso à Informação.
Ministros do Supremo já têm conhecimento da existência deste documento, e de que, no final de dezembro, o GDF tinha sinalizado a eles a intenção de enviá-lo para que fosse mais uma medida do inquérito 4781, instaurado para apurar atos conta a democracia.
O texto relata ainda que o Exército estava “limitando a atuação” da Secretaria de Segurança Pública do DF. Descreve o acampamento como sendo de “um grupo político que tem contestado o resultado das eleições presidenciais de 2022.”
Ordem de recuo
A PM já tinha tentado entrar duas vezes no acampamento. E teve de recuar por ordem do Exército. “Tinham tanques e 300 soldados nos mandando sair”, conta um oficial da PM, que pediu para ter o nome preservado.
Manifesto de preocupação
O GDF frisou ainda na petição que “os graves acontecimentos ocorridos na cidade preocupam a população e este governo”, citando os atos de vandalismo na região central de Brasília, em 12 de dezembro, data da diplomação de Lula; e a tentativa de explosão de uma bomba num caminhão próximo ao aeroporto na noite do dia 24 de dezembro.
Múcio em atuação diplomática
O pedido de Múcio para que nenhuma medida mais forte fosse tomada naquele momento passava pela atuação de diálogo que vinha mantendo com as Forças Armadas. Ainda não tinha tomado posse como ministro da Defesa de fato e tinha de fazer a mediação diplomática para que o clima não ficasse ainda mais tenso com a posse de Lula.
Respeito ao Exército
Não se queriam tomar, naquela altura, atitudes que ofendessem a autoridade do comando do Exército dentro da área de sua própria jurisdição. E uma decisão do STF respaldando uma ação policial, no acampamento autorizado pelos militares, poderia eclodir crise gravíssima no dia da posse.
O governo eleito, porém não empossado, não queria enviar sinais de revanchismo às Forças Armadas. Múcio, no entanto, esteve na berlinda por não ter conseguido ajudar a evitar os atos golpistas no dia 8 de janeiro. Não ter conseguido que o Exército tivesse desmobilizado o acampamento do QG até aquele dia. E de onde partiu a massa que vandalizou a Praça dos Três Poderes.
Defesa de Múcio
O presidente Lula saiu em defesa ontem do ministro José Múcio. Em entrevista à jornalista Natuza Nery, da GloboNews, foi questionado por que não o demitiu. Afirmou que “seria injusto tirar um bom jogador do time porque ele perdeu apenas um gol”.
Também destacou que o que aconteceu foi algo muito imprevisível. “Ninguém podia prever que aquilo aconteceria. Nunca na história deste país houve algo assim”, reforçou.
Não lembra
Procurado pelo Correio, o ministro da Defesa, José Múcio, informou por meio da assessoria que realmente havia um processo natural de esvaziamento dos acampamentos no país. Segundo relatório do Comando do Exército, em outubro, tinham 43 mil pessoas neles pelo país. E que no, final do ano, restavam apenas 3 mil.
Informou ainda que não lembra com exatidão de ter sido mencionado na reunião, no Palácio do Buriti, em 27 de dezembro, a petição do GDF para o STF.
Trauma no DF
Enquanto isso, o GDF sofre uma intervenção federal na Segurança Pública, tem o governador afastado por decisão do Supremo e o ex-comandante da PM preso.
Integrantes do governo local deixam transparecer o abatimento e parecem bastante traumatizados com os últimos acontecimentos. Procurados pelo Correio, não quiseram se pronunciar sobre o que ocorreu nos dias em que a petição a Moraes foi elaborada e quase enviada.
O documento com a petição ao Supremo não consta no memorial de defesa de Ibaneis Rocha entregue ao STF. Mas poderá agora vir a ser usado para apontar que não houve cumplicidade do GDF com a “incubadora de terroristas”, como se referiu o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao acampamento do QG.
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