Nas entrelinhas: STF intervém na Vaza-Jato

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“A decisão é um constrangimento para Moro e os procuradores da Lava-Jato, principalmente Dallagnol, que não confirmaram nem desmentiram seus diálogos nas mensagens hackeadas”

No mesmo dia em que a Polícia Federal pediu a prisão preventiva dos quatro suspeitos de envolvimento na invasão de celulares de autoridades, investigada na Operação Spoofing — Danilo Cristiano Marques, Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Santos e Suelen Priscila de Oliveira —, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou que seja preservado o material resultante da invasão de celulares de diversas autoridades e pediu uma cópia do material, além da íntegra da investigação da Operação Spoofing.

Foi mais um lance na queda de braços entre o Supremo e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. É que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, havia anunciado a intenção de destruir os conteúdos das mensagens, o que foge a suas atribuições. A proibição de destruir o material valerá até decisão final do plenário do Supremo. Na semana passada, o ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), havia recebido um telefonema de Moro comunicando que as mensagens seriam descartadas para “não devassar a intimidade de ninguém”.

Moro chegou a anunciar que mais de mil autoridades do país haviam sido bisbilhotadas pelos quatro hackers, mas esses números não se confirmaram ainda. Diante das intenções do ministro da Justiça, a Polícia Federal divulgou nota na qual dizia que preservará o “conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material” apreendido na Operação Spoofing, mas que caberia à Justiça definir o seu destino, no caso o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara de Brasília.

Sorteado para tratar do caso, em razão de um requerimento do PDT, porém, o ministro Fux determinou “a preservação do material probatório já colhido no bojo da Operação Spoofing e eventuais procedimentos correlatos até o julgamento final” do caso, requisitando “cópia do inteiro teor do inquérito, incluindo as provas”. A decisão é um tremendo constrangimento para Moro e os procuradores, principalmente Deltan Dallagnol, que até hoje não confirmaram nem desmentiram os diálogos contidos nas mensagens hackeadas.

Como se sabe, os quatro suspeitos foram presos após a divulgação de trocas de mensagens atribuídas ao então juiz federal Sérgio Moro e ao coordenador da Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, por meio do aplicativo Telegram, em série de reportagens do site The Intercept Brasil, do jornalista americano Glenn Greenwald, ironicamente chamada de Vaza-Jato. O jornalista questiona a conduta de Moro na condução do processo, por seu envolvimento direto nas investigações, principalmente no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba.

O hacker Walter Delgatti Neto, em depoimento à Polícia Federal, assumiu que entrou nas contas de procuradores da Lava-Jato e confirmou que repassou mensagens ao site The Intercept Brasil. A ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) fez o contato entre o hacker e o jornalista. Agora, a Polícia Federal quer saber qual é o real envolvimento entre o hacker e Greenwald. O presidente Jair Bolsonaro chegou a insinuar que o jornalista seria preso, por envolvimento com os hackers, mas não há provas quanto a isso. A publicação do material e a preservação do sigilo da fonte são prerrogativas constitucionais, que garantem a liberdade de imprensa em todos os países democráticos do mundo, desde que não haja envolvimento financeiro ou operacional com o crime praticado para ofertar os dados.

Sigilo fiscal
Em outra decisão do Supremo que atinge a Operação Lava-Jato, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão de procedimentos de investigação da Receita Federal sobre 133 contribuintes, entre os quais o ministro Gilmar Mendes e a advogada Roberta Rangel, mulher do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. A decisão de Moraes foi tomada em razão de “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”. Para Moraes, houve “indevida quebra de sigilo” praticada por dois servidores da Receita, com “graves indícios da prática de infração funcional”. Ambos foram afastados das funções por Moraes.

A decisão do ministro foi tomada em polêmico inquérito aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, sem a participação do Ministério Público Federal (MPF). A liminar vai na mesma linha da decisão de Toffoli que suspendeu todas as investigações da Polícia Federal com base em informações fiscais obtidas sem a devida autorização judicial. O vazamento de dados da Receita envolvendo ministros do Supremo levantou a suspeita de que a força-tarefa da Lava-Jato, por meio da Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf), estaria investigando 133 agentes públicos, inclusive ministros do Supremo. Segundo Moraes, “sem que houvesse, repita-se, qualquer indício de irregularidade por parte desses contribuintes”.