Nas entrelinhas: Sentença salomônica

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“Caiu a ficha de que o Supremo não pode anular todas as sentenças da Lava-Jato, o que seria uma desmoralização para a Corte, porque há materialidade nos crimes praticados”

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes antecipou ontem o que pode vir a ser uma saída salomônica para o impasse em que se encontra o julgamento do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, que está 6 a 3 a favor da anulação da sentença que o condenou a 10 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro e deve ser concluído hoje pelo plenário da Corte. A defesa de Almeida alega que seu direito foi cerceado porque o então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, não aceitou o pedido para que apresentasse suas alegações finais após as dos réus que fizeram delação premiada.

Esse entendimento é majoritário na Corte, mas pode resultar na anulação de 32 sentenças e beneficiar outros 143 réus, o que seria um golpe de morte na Operação Lava-Jato. Em razão disso, na semana passada, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, suspendeu o julgamento e anunciou que apresentará uma proposta de modulação da sentença na sessão plenária de hoje. Em 2018, o ex-gerente da Petrobras foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção. Na condenação, Moro decretou o confisco de valores de até US$ 18 milhões de contas que tenham como beneficiário final o ex-gerente da Petrobras. Nos autos, o ex-juiz diz que foi provado que o valor de R$16 milhões nas contas veio de vantagens indevidas e o restante não tem origem ou natureza lícita comprovada.

Ontem, ao sair de uma sessão solene na Câmara dos Deputados, o ministro Gilmar Mendes disse que já existe uma maioria de seis ou sete ministros no tribunal a favor da proposta apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, de que a medida só seja aplicável aos réus que tiverem feito o questionamento quando o processo ainda estava na primeira instância. “Eu tenho impressão de que o voto do ministro Alexandre já trouxe uma modulação, uma distinção ao dizer que estava concedendo àquele que tinha arguido desde sempre, desde a primeira oportunidade na primeira instância. A mim, parece que essa é a modulação passível e possível de se fazer. Já se formou maioria nesse sentido. Acho que essa é a decisão”, disse.

Casos específicos
Parece que caiu a ficha de que a maioria do Supremo não pode simplesmente anular todas as sentenças da Lava-Jato, o que seria uma desmoralização para a Corte, porque há materialidade nos crimes praticados, como no caso de Márcio de Almeida. O princípio da ampla defesa reza que o acusado se pronuncie após a acusação, que normalmente cabe ao Ministério Público. Como a lei das delações premiadas é omissa e a Constituição determina igual tratamento entre os réus, essa diferença entre delatores e delatados nunca foi considerada nos julgamentos em primeira instância.

A tese, porém, foi estendida pelo Supremo aos réus acusados em delações premiadas, cujos autores passaram a ser tratados como réus acusadores. Em síntese, a saída salomônica para a Corte será circunscrever a anulação de sentença aos casos em que a defesa dos condenados pleiteou o direito de se manifestar depois dos réus acusadores e não foi atendida em primeira instância. Nesse caso, porém, não será anulado todo o processo e o julgamento será refeito a partir da nova sequência de alegações finais.

Rei de Israel, Salomão é um personagem bíblico que se destacou pela sabedoria na tradição da cultura judaico-cristã. É famosa a fábula das duas mães que tiveram filhos juntos, sendo que um morreu e se estabeleceu uma disputar entre ambas para ficar com a criança que vingou. Foram até Salomão para resolver a disputa entre ambas. O rei ordenou a um dos guardas: “Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma”. Uma das mães começou a chorar e disse: “Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus”, enquanto a outra não contestou a brutal decisão. Salomão reconheceu a mãe na mulher que preferiu dar o filho para a outra para não vê-lo morto. Deu a ela a criança.

Malas do Geddel
No caso das malas e caixas com R$ 51 milhões encontradas em um apartamento em Salvador em 2017, o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, votou ontem na Segunda Turma do STF pela condenação do ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA) e do ex-deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA) pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de Geddel a 80 anos de prisão e devolução de R$ 43,6 milhões aos cofres públicos, além de multa por danos morais coletivos no valor de US$ 2,688 milhões.

Os R$ 51 milhões apreendidos em Salvador teriam origem nas propinas da construtora Odebrecht e repasses do operador financeiro Lúcio Funaro. O julgamento foi suspenso após o voto de Fachin. Será retomado na próxima terça-feira, sendo o primeiro a votar o ministro Celso de Mello, revisor da Lava-Jato na Segunda Turma. Ministro da Secretaria de Governo de maio a novembro de 2016, no governo Temer, Geddel está preso desde setembro de 2017 no presídio da Papuda, em Brasília.