Nas entrelinhas: Morte na Papuda deu um “herói” aos “patriotas”

Publicado em Brasília, Comunicação, Congresso, Governo, Justiça, Lava-Jato, Memória, Partidos, Política, Política, Segurança, Violência

Prisões por tempo indeterminado, sem condenação transitada em julgado, continuarão sendo arroz de festa nos presídios. De 900 mil presos, 44% são provisórios, não foram condenados 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liberdade provisória a quatro presos pelos ataques golpistas. Relator das investigações sobre o 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, ele vem sendo acusado pela oposição de adotar métodos autoritários nas investigações sobre os extremistas de direita. Os presos liberados terão que cumprir medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.

Jaime Junkes, Tiago dos Santos Ferreira, Wellington Luiz Firmino e Jairo de Oliveira Costa estavam na mesma situação do bolsonarista Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, que morreu na segunda-feira, no Centro de Detenção Provisória II, do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Todos estavam em prisão preventiva por envolvimento nos atos golpistas.

Cleriston morreu durante o banho de sol. Segundo a Vara de Execuções Penais (VEP) do DF, teve um mal súbito e precisou de atendimento. Os médicos do presídio e, em seguida os bombeiros e o Samu, aplicaram o protocolo de reanimação cardiorrespiratória, sem sucesso.

Moraes informou que Cleriston recebia atendimento médico regular na prisão e, também, visitas regulares da mulher e das filhas. O problema é que, em agosto, a defesa do bolsonarista pedira revogação da prisão, sem prejuízo de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira. Segundo a defesa, Cleriston sofria com sequelas da covid-19. Em setembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com o pedido, mas Moraes nada decidiu. E o ministro André Mendonça negou-lhe um pedido de habeas corpus, alegou não ser o juiz natural.

Em 8 de janeiro, houve uma tentativa de golpe de Estado, mas ninguém morreu em confrontos com os agentes de segurança. A morte de Cleriston, numa situação clara de prisão arbitrária, porém, deu um “herói” aos partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Simbolicamente, para a oposição, sua morte equivale ao suicídio de Luiz Carlos Cancellier, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que havia sido preso, despido, algemado, em 14 de setembro de 2017, durante a Operação Lava-Jato. A foto do magnífico reitor com uniforme de laranja ainda circulava nas redes sociais, quando seu suicídio reascendeu os debates sobre os métodos de policiais e promotores da força-tarefa de Curitiba, comandada pelo então juiz Sergio Moro.

Até então, desde que a Lava-Jato fora deflagrada, em 2014, um assessor do ex-ministro Antonio Palocci, Branislav Kontic, e o almirante Othon Silva, o ex-presidente da Eletronuclear, haviam tentado o suicídio. A morte de Cancellier, porém, provocou uma onda de críticas de entidades, magistrados e políticos contra o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF). O Senado, àquela época, com 24 parlamentares investigados pela Lava-Jato, aprovou um voto de pesar por Cancellier.

Processo legal

Para o ex-senador Nelson Wedekin, com quem Cancellier trabalhou por mais de uma década, a prisão do reitor foi violenta e arbitrária. A diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu uma nota criticando o que chamam de “espetacularização do processo penal”.

O resto da história sobre a Lava-Jato todos conhecem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido condenado e preso, teve sua condenação anulada pelo STF, candidatou-se à Presidência e voltou ao Palácio do Planalto.

Prevaleceu o devido processo legal, que havia sido desrespeitado no decorrer da Lava-Jato. É mais ou menos o que vai acabar acontecendo com os réus do 8 de janeiro que não tiverem seus direitos respeitados, ainda que, hoje, exista gana dos ministros do Supremo contra os bolsonaristas que vilipendiaram, invadiram e depredaram a Corte.

A Constituição garante que ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV). Esse é o princípio que subordina todos os demais, com alcance amplo sobre a vida, a liberdade e a propriedade. Isso significa direito à citação e ao conhecimento da acusação; a um juiz imparcial; ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de perguntas; ao contraditório (contrariar provas, inclusive); à defesa técnica; à igualdade entre acusação e defesa. Ninguém pode ser acusado ou processado com base em provas ilícitas, nem obrigado à autoincriminação.

Por essas e outras, ontem, por 52 x 18, o Senado aprovou PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita o poder monocrático dos ministros do STF para sustar decisões do Executivo e do Judiciário por medida cautelar. É uma reação do Congresso às decisões individuais contra os demais poderes.

Entretanto, prisões por tempo indeterminado, sem condenação transitada em julgado, continuarão sendo arroz de festa nos presídios. Hoje, o Brasil tem mais de 900 mil presos. Desse total, cerca de 44% são provisórios, ou seja, ainda não foram condenados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).