Nas entrelinhas: A defesa das instituições e a mão pesada do Supremo

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Na sexta-feira passada, o ministro Moraes foi hostilizado por três brasileiros no Aeroporto Internacional de Roma, na Itália. O filho do ministro chegou a ser agredido por um dos envolvidos

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, após os atos golpistas de 8 de janeiro, em diversas entrevistas, uma das quais ao Correio, disse que as medidas tomadas à época pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, contra os envolvidos na invasão dos palácios dos Três Poderes, com base no polêmico inquérito das fake News do STF, foram necessárias e legítimas.

A tese de Ayres Britto é a seguinte: “O indivíduo está autorizado pelo direito a utilizar da chamada legítima defesa, por meios próprios. A democracia também tem o direito à legítima defesa. Se a sua vida, a minha vida, as nossas vidas são o bem jurídico maior, individualmente, o bem jurídico maior da coletividade, de personalidade coletiva, por definição, é a democracia. Então, a democracia tem mesmo o poder de abater, por meios que ela prevê, de abater quem se arma para abatê-la”.

O ministro Alexandre Moraes havia determinado a prisão dos 41 invasores dos palácios dos Três Poderes detidos em flagrante e dos acampados em frente ao quartel-general do Exército, num total de 1.410 suspeitos. Desde então, o STF abriu ações penais contra 1.245 acusados. No total, foram apresentadas 1.390 denúncias pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Continuam presos 250 acusados de atuarem como autores e instigadores dos atos. Cerca de 70 deles já tiveram o período de prisão renovado por Moraes, após 90 dias de detenção.

Na sexta-feira passada, o ministro Moraes foi hostilizado por três brasileiros no Aeroporto Internacional de Roma, na Itália. O filho do magistrado chegou a ser agredido por um dos envolvidos. A Polícia Federal identificou os três agressores: o casal Andreia Mantovani e Roberto Mantovani Filho e Alex Zanatta. Moraes estava na Itália para realizar uma palestra na Universidade de Siena.

Ontem, a Polícia Federal apreendeu um celular e um computador na residência do casal, em Santa Bárbara do Oeste; os dois também foram ouvidos na ocasião. Na Itália, autoridades policiais já recolheram as imagens do aeroporto que registraram o episódio, que estão em poder da Interpol, mas precisam de autorização da Justiça italiana para serem remetidas ao Brasil.

Incivilidades, ilícitos criminais e contravencional podem ser caracterizados no episódio contra Moraes. Por isso, o pedido da PF foi autorizado pela presidente do STF, ministra Rosa Weber. O inquérito foi distribuído para o ministro Dias Toffoli.

Vários ministros do Supremo já foram ameaçados fisicamente por partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro. Os casos de maior repercussão até então foram os do ex-ministro Ricardo Lewandowski, num voo doméstico; do ministro Gilmar Mendes, em Lisboa; e do ministro Luís Roberto Barroso, em Nova York. O caso de Moraes foi a gota d’água.

Fake news

O inquérito das fake news, aberto em 14 de março de 2019, pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, investiga “a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares”.

Com base no inquérito, muitas medidas foram tomadas por Moraes, algumas das quais consideradas exageradas, mas que depois se revelaram pertinentes, como as operações contra o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel do Exército Mauro Cid.

Entretanto, no meio jurídico, permanece a polêmica sobre os superpoderes atribuídos a Moraes pelo inquérito, que até hoje não tem prazo para terminar. Pelo andar da carruagem, essa questão somente será resolvida pelo próximo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que, na semana passada, se envolveu numa polêmica, após discursar no Congresso da UNE, como se ainda fosse militante do movimento estudantil.

Na quinta-feira passada, uma audiência pública no Senado debateu a prisão de envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Advogados dos presos alegaram violações de direitos humanos das mais de 200 pessoas que continuam detidas no Complexo Penitenciário da Papuda e na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia.

A presidente da associação dos familiares dos presos, Gabriela Fernanda Ritter, afirmou que muitas pessoas que se encontram presas não participaram dos atos e da depredação. “No dia 8 de janeiro, eu lembro que, quando começaram a chegar as imagens lá de todo aquele cenário de guerra, foi muito assustador. Eu lembro que eu e nossa família nos ajoelhamos e ficamos desesperados, porque sabíamos que os nossos familiares, as pessoas que vieram para Brasília não tinham essa intenção, não vieram para esse absurdo que aconteceu”, disse.

Em 18 de janeiro, a Justiça finalizou as audiências de custódia de 1.410 pessoas suspeitas de participar dos atos golpistas. Do total, os promotores e procuradores enviaram 1.408 pedidos ao STF, entre prisões preventivas, liberdade provisória com medidas cautelares e relaxamento de prisão. Em junho, a maioria dos ministros do Supremo aceitou denúncia contra mais 45 acusados de participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.