VISTO, LIDO E OUVIDO

Publicado em Íntegra

Considerações sobre a hora de verão   1. Aspectos astronômico e geográfico   A chamada “hora de verão” consiste no artifício de adiantar os relógios em uma hora no período do ano em que a duração do dia supera em pelo menos sessenta minutos a da noite, a fim de melhor se aproveitar a claridade adicional desses dias. Essa prática teve início na Europa durante a I Guerra Mundial, quando a economia exigia racionamento de todos os bens, e manteve-se apesar da resolução que a condenou no Congresso Internacional de Cronometria, realizado em Genebra em agosto de 1949. Alertadas pela sua condenação internacional as nossas autoridades revogaram o seu uso em 24 de fevereiro de 1953. Entretanto depois, em caráter excepcional, nos períodos de verão de 63/64, 65/66 e 66/67, e a partir de 1985 o Brasil voltou a adotar a hora de verão. Mesmo na Europa unificada tem havido contestações oficiais em Portugal e na Grã-Bretanha. O início do verão (em 21 de dezembro no hemisfério sul), corresponde ao solstício de verão, ou seja, quando a duração do dia é máxima e a da noite mínima. Os dias mais longos do ano se distribuem, portanto antes e depois do início do verão. É nesse período que vigora o esquema da chamada hora de verão.   Nos círculos polares, como sabemos, no solstício de verão há o sol da meia-noite. Ou seja, nas grandes latitudes a variação dos dias e das noites é acentuada em torno dos solstícios do verão e do inverno. Por outro lado, na linha do equador a duração dos dias e das noites é praticamente a mesma ao longo do ano inteiro. Por essa razão, não havendo suficiente excesso de claridade nas regiões entre o equador e os trópicos, não há viabilidade astronômica para a adoção do esquema da hora de verão nessas áreas.   Por isso, com exceção do Brasil, não existe hora de verão em nenhum outro país tropical.    Brasília fica a 16º de latitude S enquanto a maior parte da Europa fica entre 36º e 60º de latitude N, estendendo-se a Escandinávia além do círculo polar ártico. O território brasileiro é cortado pelo equador e fica entre 5º 16´N e 33º 45´S.   Em Brasília, o dia mais longo do ano, 22 de dezembro, dura 13h04. Nesse dia há uma hora e quatro minutos extra de sol. O período em que há no mínimo uma hora a mais de sol vai de 30 de novembro a 9 de janeiro. São apenas 39 dias.   Já no início da hora de verão, em 8 de outubro, o sol passa a nascer às 6h48 quando na noite mais longa do ano, no solstício de inverno, em 23 de junho, o sol nasce dez minutos mais cedo, às 6h38. No final da hora de verão, em 18 de fevereiro, a situação é ainda pior: o sol só nasce às 7h08 Ou seja, com a hora de verão o dia amanhece até meia hora mais tarde do que no auge do inverno! É uma prova da inviabilidade de hora de verão de tão longa duração em Brasília. Também uma hora de verão de 39 dias seria de pouca vantagem prática.   Somente em Porto Alegre o período em que há, no mínimo, uma hora de sol a mais abrange 121 dias, de 22 de outubro a 19 de fevereiro. Mas a hora de verão brasileira dura 133 dias.   Pode-se ainda argumentar, por outro lado, que mesmo sem o esquema da hora de verão, os dias de “verão” sempre serão mais longos do que os de “inverno”, ou seja, nesse período há menor necessidade de iluminação artificial e uma natural economia de luz elétrica.   Em suma, se não há diferença sensível entre o dia e a noite a hora de verão não é praticável. Se existe diferença a hora de verão é supérflua.   2. Aspecto econômico   No Brasil, segundo dados oficiais da Aneel, a hora de verão propicia uma economia de 0,8% na demanda e uma redução de 5,6% no pico do consumo.   * Cabe ponderar que os aparelhos de medição comerciais têm erros variando de 1 a 3%. Assim, 0,8%, além de ser insignificante, estaria dentro do erro de medição não sendo, portanto um dado confiável.   * A diminuição do pico do consumo é também questionável. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo de 27 de outubro de 1997, para a usina de Itaipu a hora de verão não existe. “A única mudança é no horário de pico. Se antes ele ocorria das 18h às 19h, agora poderá ser registrado das 19h às 20h”. (Anexo III)   Já a Gazeta Mercantil de 5 de fevereiro de 1998 noticiou: “O problema vai ser definir o horário de ponta. Na semana passada no Rio de Janeiro o maior consumo de energia foi registrado às 11 horas da noite, e no início de janeiro a ponta foi registrada à 1 hora da madrugada (…) O diretor de Planejamento da Eletrobrás (Benedito Carraro) atribuiu o alto consumo de energia na madrugada como conseqüência do uso de sistemas de refrigeração. “Janeiro foi muito quente e todo carioca ligou seu aparelho de refrigeração. Somente isso explica um alto consumo na madrugada, disse.”   * É bom lembrar que a hora de verão dura 126 dias por ano. E que nos outros 239 dias do ano o sistema tem que suportar a demanda do pico de consumo. Deve-se recordar que, embora a hora de verão acabe no terceiro domingo de fevereiro, o calor do verão persiste até meados de abril, ou seja, os condicionadores de ar continuarão ligados em todos os lares e escritórios muito além do final do período da hora de verão.   * Perfil do consumo: Excetuando os condicionadores de ar e freezers, aparelhos ainda fora do alcance de boa parte da população, 95% do consumo doméstico está dividido entre geladeira (30%), chuveiro elétrico (25%), iluminação (20%), televisor (10%), ferro elétrico (6%) e máquina de lavar roupa (4%). Vê-se que a iluminação que seria poupada, uma fração de desses 20%, pesa muito pouco no total, ao contrário do início do século, quando se adotou a hora de verão na Europa.   * Transtornos: É impraticável adotar a hora de verão no mesmo fuso horário em todo o território nacional. Em 1999 e em 2000 foram incluídos o Nordeste e Roraima, porém isso causou tal trauma e revolta popular que teve que ser revogado. Por outro lado deve-se reconhecer que o estabelecimento de uma hora diferente entre o Nordeste e Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo durante a hora de verão causa transtornos econômicos imensuráveis, mas significativos, como, por exemplo, nos horários bancários, na programação da televisão e mesmo nos vôos comerciais domésticos.    3. Aspecto biológico   O ser humano é regido por ciclos circadianos, ou seja, temos um “relógio biológico” ao longo das 24 horas do dia. Qualquer alteração do horário de sono resulta em reflexos maléficos na saúde das pessoas, como sonolência durante o dia, insônia durante a noite, cansaço, irritabilidade, agressividade etc. As crianças e idosos são os mais sensíveis. Durante a vigência da hora de verão o rendimento escolar cai para as crianças que têm aulas pela manhã.   Há, ainda, o risco de acidentes que podem ser fatais, como os de trânsito. O assunto foi estudado no capítulo “Morte no horário de verão” do livro Ladrões do Sono, de Stanley Coren, professor de Neuropsicologia da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá). Com os dados nas mãos, o Dr. Coren faz a seguinte afirmativa: “Os resultados referentes à mudança para o horário de verão são bastante esclarecedores. Nos quatro primeiros dias a perda de sono, embora pequena, provoca aumento de 6% no número de mortes acidentais, comparando-se com a semana anterior”.   4. Aspecto social   Para uma minoria privilegiada a hora de verão propicia um melhor desfrute do final da tarde para o lazer: a happy hour  e as práticas esportivas. Entretanto para a grande maioria silenciosa a hora de verão pune pela manhã quem mora longe dos locais de trabalho e estudo e que depende do transporte coletivo. Essas numerosas pessoas, de menor poder aquisitivo, são obrigadas a sair de suas casas ainda na escuridão, com riscos crescentes com o aumento da violência urbana que assola as cidades maiores. Como exemplo, registrado nas páginas amarelas da revista Veja de 13-12-95, há o caso do assalto e estupro ocorrido no primeiro dia da vigência da hora de verão na periferia de São Paulo em 1992, e que chegou aos tribunais por questão do direito de aborto.   Na realidade, a hora de verão aumenta a duração da claridade da tarde às custas do aumento do tempo de escuridão do final da madrugada.    5. Conclusão   Pelas razões expostas, considerando a inviabilidade astronômica e geográfica, a duvidosa e insignificante vantagem econômica e os prejuízos biológicos e sociais para a grande maioria da população, sou de opinião que, para o bem estar de todos, a hora de verão deve ser revogada em todo o território nacional.

 Roldão Simas Filho nascido em Niterói em 1933, neto de avós paternos açorianos.

                             Químico formado pela atual UFRJ trabalhou como engenheiro de refinação e de métodos na Petrobrás, onde ingressou em 1958.

                             Hoje, aposentado, escreveu e publicou: Dicionário Lá & Cá – Português, Idioma de Cada Dia, Enquanto é Tempo e Água Mole…, editados pela Thesaurus, de Brasília.

PRIMEIRA NOTA

                                                     Hora de Verão

 

       Se a hora de verão representasse uma economia de eletricidade significativa, talvez valesse a pena ponderar a viabilidade de sua adoção. Mas, como a economia é insignificante, deve ser extinta tais as desvantagens sociais que causa.

       Vejamos:

         Em Brasília, no dia 18 de outubro, já na vigência da Hora de Verão, o Sol nasceu às 6h43, ou seja, 5h43 no horário astronômico normal. Quem precisa acordar às 6 horas estará se levantando na realidade às 5 horas, ainda noite fechada, e vai acender as lâmpadas em casa.

            Por outro lado, como a noite chega mais tarde, há uma tendência de se aproveitar mais a claridade e de se deitar mais tarde. A noite de sono estará menor. Dorme-se menos horas. 

         Vale destacar que as crianças que estudam pela manhã estarão sonolentas e seu rendimento escolar será baixo. No Japão, a hora de verão foi introduzida depois da Segunda Guerra Mundial, mas foi cancelada em 1952 tendo em vista que o rendimento escolar havia caído. Lá a educação é a preocupação nacional acima dos outros problemas.

 

                                                                    Roldão Simas Filho

                                                                     Brasília, 21 de outubro de 2015

SEGUNDA NOTA

Hora de Verão no Japão            No Japão, a hora de verão foi introduzida depois da Segunda Guerra Mundial pelas tropas de ocupação norte-americanas, mas foi cancelada em 1952 tendo em vista a oposição dos agricultores. Apesar do ministro do Comércio e Indústria Internacional ter defendido a introdução da hora de verão com objetivo de reduzir o consumo de energia, a oposição dos fazendeiros e do ministro da Educação – alegou que a maior quantidade de luz à tarde iria atrair as crianças para as recreações ao ar livre após o término das aulas, afastando-as dos seus trabalhos e deveres de casa – não se adotou a hora de verão, mantendo-se a hora legal sem correção. No Japão, a educação é a preocupação nacional acima dos outros problemas.                   (fonte: Vantagens e desvantagens da hora de verão – Ronaldo Mourão (astrônomo) Jornal do Brasil  26-10-2009, “Sociedade Aberta” p. A9)

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