Uma cidade que vai se desmanchando

Publicado em ÍNTEGRA

DESDE 1960 »

aricunha@dabr.com.br

com Circe Cunha com MAMFIL

“Menos é mais” é , talvez, a frase mais icônica dentro do mundo da arquitetura. Atribuída ao arquiteto e professor da escola alemã da Bauhaus, Mies van der Rohe (1886-1969), para traduzir e sintetizar, como um haicai enxuto, tudo o que buscava a arquitetura moderna e o design em seu período áureo. Em seu sentido mais amplo, a frase traduz o pensamento da época que buscava despir o objeto de seus ornamentos e outros adereços triviais, conferindo a eles sentido e racionalidade funcionais. As formas puras, a geometria limpa, a valorização dos materiais e do design, além, é claro, da planta e da fachada livres entre outros importantes elementos construtivos, passaram a merecer mais atenção por parte de artistas e arquitetos. Foi justamente dentro desse espírito vanguardista que foi pensado o projeto da nova e revolucionária capital dos brasileiros por Lucio Costa.

Questões como a setorização dos serviços, a divisão e valorização dos espaços, mesmo os espaços vazios, foram desenhados para unir beleza e harmonia à funcionalidade e à racionalidade de uma cidade, de modo a qualificar adequadamente os espaços urbanos. Essa, na visão de Lucio Costa e esboçado em seu Relatório de 1957, deveria ser uma “cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas, ao mesmo tempo, cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de se tornar, com o tempo, além de centro de governo e administração, foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”.

A união dessa visão da urbe moderna com a plasticidade de Niemeyer fez brotar “a flor do deserto”. Assim, lembra Niemeyer, em As curvas do tempo, “o velho cerrado cobriu-se de prédios e de gente, ruído, tristezas e alegrias. O tempo cuidou de fazer com que muitos brasileiros, críticos da transferência da capital, acabassem por aceitar uma realidade consolidada com engenho e arte. O mesmo tempo que serenou os ânimos, cuidou, a seu modo, de conduzir a cidade ao seu processo natural de desfazimento lento. A democracia interrompida abruptamente por duas décadas, o exílio e a perseguição a seus idealizadores e o fim do modernismo como ideia libertadora do passado cuidaram de pôr um fim “a um movimento e a um tempo de otimismo que visava apenas projetar o país e os brasileiros rumo ao futuro”.

O que veio a seguir, se distanciou léguas da ideia original. O inchaço da capital, provocado pela formação rápida de cidades dormitórios ao redor, bem como a especulação criminosa das terras públicas, sob a bênção de políticos inescrupulosos aliados a empreiteiros oportunistas, cuidaram de abreviar a decadência da cidade.

O que se vê hoje, com exceção de algumas áreas já consolidadas, é uma cidade em franco processo de envelhecimento precoce. Suas duas avenidas principais de comércio (W3 Norte e Sul) são um retrato acabado do terceiro mundo. Pichações, poluição urbana, descontinuidade de calçadas, sujeira, puxadinhos medonhos e remendos feitos aleatoriamente por diversos proprietários inspirados dão uma mostra do pouco caso que fazemos dos espaços públicos, tratados como áreas totalmente descontinuadas e alheias de nossas próprias casas.

À explosão de barracos de lata, com comércio improvisado se somaram os food trucks espalhados por toda Brasília, potencializando o caos urbano. Em um ambiente em decadência, obviamente se multiplicaram também os problemas sociais. A violência e o aumento da criminalidade, constatados hoje, encontram o espaço ideal para se proliferar e se firmar justamente em espaços esquecidos pelo poder público.

A frase que não foi pronunciada
“O Brasil precisa de uma nova história de presente. De passado e de futuro também.”

Alguém à beira da depressão, ao associar o próprio suor do trabalho com a água fresca da eterna corrupção de autoridades

Constituição
» Depois da greve, na manhã de sexta-feira, uma fila no Banco do Brasil do Senado acumulou terceirizados por mais de meia hora. A funcionária entrou e os seguranças acompanhavam a fila aumentar. Às 11h, pontualmente ,a porta do Banco abriu e a sensação de problema resolvido logo se dissipou. O guarda avisou. “Essa agência não vai atender ninguém porque não tem funcionário.” Alguém comentou alto que viu uma funcionária entrar. Sem jeito, o guarda foi e voltou dizendo: “Só quem tem conta estilo será atendido aqui”. Resignadamente, cada um seguiu o seu caminho sem perguntas. Regra número 1: todos são diferentes perante os bancos.

História de Brasília
A pedra fundamental foi lançada à margem do asfalto, porque o local onde hoje trabalhamos estava dentro do mato. Todos presentes, veio helicóptero, saltaram Juscelino e Israel, houve uma solenidade rápida, poucos discursos, e estava sendo iniciada, então, uma luta que poucos poderiam prever. (Publicado em 15/9/1961)

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