A parte visível, nua e crua da nossa crise econômica

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

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Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

 

Há quem diga que Calcutá é aqui. E não sem razão. De acordo com o Observatório da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de pessoas em situação de rua no Brasil dobrou em pouco menos de dois anos, passando de 160 mil para 345 mil em 2025. Temos agora nessa condição uma população maior do que muitas cidades brasileiras, numa clara demonstração de que o empobrecimento de uma parcela significativa dos brasileiros segue aumentando perigosamente.

Sobretudo para aqueles que habitam nas grandes capitais do país, é cada vez mais visível e preocupante o número de pessoas pedindo esmolas ou vivendo de pequenos bicos. Essa percepção é um forte indicador, maior até do que qualquer estatística econômica a mostrar de que estamos, mais uma vez, num rápido processo de empobrecimento geral, onde nem mesmo a classe média parece escapar. Some-se a esse fator observável o fato de que há, nas principais ruas de comércio do país, um número assustador de estabelecimentos varejistas fechando as portas.

Crise econômica, inflação e mesmo déficit habitacional têm se somado para expulsar as pessoas de suas casas. A crise urbana é o lado escuro de uma realidade que nenhuma propaganda do governo consegue esconder. A miséria salta aos olhos. Nas calçadas, nas praças, nos viadutos e nas ocupações improvisadas, vive uma população em carne e osso cuja realidade fere qualquer discurso oficial: são centenas de milhares de brasileiros que perderam o teto, a dignidade, a segurança mínima para existir.

A partir desses rastros visuais tanto quanto dos números frios, revela-se uma crise social tão concreta quanto cruel, cujo agravamento recente expõe falhas sistêmicas, indecisões e omissões do governo federal. Segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, o Brasil viu em menos de dois anos um crescimento explosivo e incontrolável no número de pessoas em situação de rua e de extrema pobreza. Em dezembro de 2024, estimava-se que  327.925 pessoas estavam vivendo nas ruas, ou seja, um aumento de cerca de 25% em apenas um ano, em comparação ao fim de 2023. Em março de 2025, o dado sobe de novo para 335.151 pessoas nessa condição, de acordo com os registros do Cadastro Único do Governo federal.

Diversos perfis dessa população  denunciam escancaradamente desigualdades estruturais: cerca de 85% são homens, 70% são pessoas negras, quase 10 mil são menores de 17 anos e mais de 30 mil, idosos, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua. A maor parte não tem acesso a nenhum abrigo.

Mas os moradores de rua são apenas a ponta visível de um iceberg ainda maior. No mercado de trabalho, por exemplo, há dados contraditórios: as taxas de desemprego formal baixam, em termos percentuais oficiais a taxa de desocupação chegou a 5,8% no segundo trimestre de 2025, o menor patamar da série histórica do IBGE, que começou em 2012. Também o rendimento médio dos trabalhadores com carteira assinada tem apresentado recordes em algumas frentes, embora isso não signifique necessariamente que esse rendimento seja suficiente para suprir necessidades básicas. Contudo, esse quadro melhorado em parte do emprego formal contrasta violentamente com a violência da inflação, os elevados juros, o alto custo de vida, a informalidade persistente ou crescente, e sobretudo com a incapacidade de muitas famílias da chamada “classe média baixa” de manter padrões de vida razoáveis.

Outro dado que denuncia o empobrecimento coletivo: o varejo, termômetro das economias domésticas, demonstra fragilidade crônica. Um levantamento da empresa de inteligência geográfica Cortex mostra que, entre janeiro de 2014 até agosto de 2024, foram abertas 11,6 milhões de lojas, mas 7 milhões fecharam nesse mesmo período. Ou seja: para cada 10 estabelecimentos novos, quase seis fecham as portas num prazo que, em muitos casos, é curto demais para recuperar o investimento. Isso significa não apenas perda de empregos diretos e indiretos, mas uma deterioração da oferta econômica local, fechamento de comércio de rua, perda de renda para comerciantes menores, deterioração urbana. É também sinal de insegurança de investimentos, de crédito caro ou inacessível, de custos fixos que vencem receitas espremidas pela inflação ou pela queda no poder de compra.

Se escavarmos os discursos oficiais, encontramos promessas de planos e programas: “Plano Ruas Visíveis”, articulações para assistência social, auxílios, habitação. Ocorre que, frente aos números, essas promessas se mostram insuficientes, lentas ou mal aplicadas. O déficit habitacional, apontado em vários estudos, permanece gigantesco; há muitos imóveis vazios nas grandes cidades, mas faltam políticas efetivas de ocupação, reforma, uso desses imóveis para abrigos ou habitação social. Também se nota que mesmo com desemprego em queda, a informalidade continua alta  muitos empregados sem carteira ou em trabalho por conta própria subsistem sem proteção social, sem estabilidade, com rendas que mal cobrem os aumentos de custos. Os ajustes fiscais feitos para controlar inflação ou déficit público, muitas vezes via juros elevados ou cortes em programas de assistência, agravam a desigualdade ou empurram famílias para a beira da linha de pobreza.

O que os números não contam apenas em estatísticas, contam nas ruas: um país que convive de novo com pobreza visível, com pessoas pedindo esmolas, com crianças dormindo sob marquises, com famílias que perdem a casa ou cedem espaço de moradia para dívidas ou para priorizar alimentação. O pior é que, ao longo dos últimos anos, o governo repetiu erros que agravam a crise, com a subestimação da gravidade econômica social quando políticas são desenhadas com base em médias macroeconômicas otimistas, ignorando o sufoco das famílias. É o caso das políticas de controle inflacionário que penalizam os pobres, como juros altos, tarifas energéticas ou congelamentos mal-calibrados.

Além disso, há a descontinuidade ou a lentidão na execução de programas sociais prometidos: demora em construir, reformar, entregar apoio direto ou habitação. Também a estrutura tributária desigual e os custos de vida crescentes (energia, transporte, alimentos) que corroem qualquer ganho de renda formal. Por fim, o foco excessivo em indicadores de emprego e formalização, sem assegurar qualidade de vida, proteção social, moradia, acesso à saúde, educação e segurança alimentar.

Reformas consideradas estruturais em tributação, habitação, assistência social, acesso ao crédito não são luxo, são urgência. Caso contrário, veremos um país “com rosto de Calcutá” se expandir para além dos centros urbanos, em cada esquina, em cada vitrine fechada. Este é o momento de responsabilidade: ou se muda o curso com coragem, ou aceitaremos que a miséria se torne rotina também para muitos que ainda hoje creem estar fora dela.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“A pobreza não é um apelo a uma ação generosa de socorro, mas uma demanda para que mudemos as estruturas da sociedade que tornam os pobres mais pobres”.
Sem autor, na internet

Charge do Cazo

 

História de Brasília
A coluna atrás da Igrejinha N. S. de Fátima está com esta inscrição feita apressadamente: “Padre, não. Comunista, sim.” Obra de desocupado, de quem não tem o que fazer. (Publicada em 10/5/1962)

A privatização das ruas

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Foto: Mariana Lins

 

Um dos requisitos principais para uma capital que tem a responsabilidade em hospedar, em seu território, todas as representações diplomáticas do globo, onde estão situadas também as sedes do governo federal, além das dos poderes Legislativo e Judiciário, é que essa capital possua uma excelente força de segurança, capaz de fazer frente a quaisquer situações que coloquem em risco essa atribuição.

Pelo que se sabe, a questão da segurança deve ser sempre vista pelo lado da prevenção. É com prevenção e vigilância que se pode fazer uma segurança eficaz. Tendo essa premissa como balizadora da questão, o que se pode notar, logo de saída, é que, com exceção da Península dos Ministros, no Lago Sul, e de pouquíssimas outras áreas dentro do Distrito Federal, como a Residência do Governador, o Palácio do Alvorada e do Jaburu, o restante da cidade se encontra entregue à própria sorte, à espera de algum acontecimento ruim, que, cedo ou tarde, poderá ocorrer.

É sabido também que Brasília, mesmo contrariando o parecer de inúmeros experts no assunto segurança, passou a ser sede de um presídio de segurança máxima que tem albergado boa parte dos mais perigosos líderes de facções criminosas do país. A transferência desses líderes para as proximidades da capital trouxe uma significativa leva de outros criminosos que passaram a residir nas áreas do entorno, onde comandam o banditismo local. Além disso, é praticamente impossível a um cidadão circular com segurança em todas as áreas do Plano Piloto, principalmente à noite.

Não é segredo para ninguém que, não somente a área tombada, mas todo o Plano Piloto o Plano Piloto hospeda hoje uma multidão de pessoas em situação de rua, e alguns passam o dia e a noite toda dando trabalho e intimidando abertamente os moradores. A polícia conhece essa realidade e pouco faz ou pode fazer contra essa situação. Os assaltos, furtos e roubos tornaram-se uma rotina. O consumo de drogas se espalhou por toda a área central da cidade. Os lojistas sofrem com a falta de segurança. As ligações pedindo socorro entopem as centrais de telefonia da polícia. O atendimento às muitas chamadas é feito de maneira seletiva, por falta de pessoal ou de combustível. A noite não se vê um policiamento sequer.

O fato é que, a poucos metros da Praça dos Três Poderes, um outro poder vai ganhando força. O poder do crime tem mostrado sua face bem no coração da cidade, que é a Rodoviária. A segurança da capital, que deveria ser uma obrigação primordial dos governos distrital e federal, parece aquém de suas responsabilidades.

O certo seria que o governo local cuidasse o mais rapidamente possível de cadastrar cada uma dessas pessoas em situação de rua com fotos e impressão digital, como é exigido hoje de qualquer cidadão. É preciso que o GDF e o governo federal conheçam quem são esses indivíduos que lotam os espaços públicos. Também é preciso confeccionar documentos para cada um deles, saber suas origens, seus problemas de saúde. Enfim, ter em mãos um registro oficial dessa população de modo a garantir um mínimo de informações, dando aos moradores da cidade uma certeza de que as autoridades conhecem essa população, sabem por onde transitam, o que têm feito.

Entre esses moradores de rua, encontram-se indivíduos com débitos com a Justiça, dependentes químicos, pessoas com enfermidades sérias. A situação já escalou para um patamar de grande aflição, com a população achacada e com medo de sair às ruas. Nada, nem ninguém está seguro. Tudo o que é possível carregar é levado, desde vasos de plantas, fraldas, bicicletas ou o que quer que seja. Áreas, como as 700 da W3 Norte, vivem sob ameaças constantes. As quadras perto do parque Olhos d’Água têm os moradores em constante aflição.

Quando a madrugada chega, bebedeiras, drogas e arruaças são comuns. Latas de lixo são reviradas na rua, pichações e vandalismos são perpetrados sob o olhar de pavor dos habitantes locais. Quem mais sofre com essas hordas de vândalos à solta são os mais idosos e as crianças. As vias públicas de Brasília tornaram-se propriedades privadas desses indivíduos.

Aos pagadores dos mais altos impostos de taxas do planeta resta se esconder desses bandos. As autoridades fazem cara de paisagem para essa calamidade, pois, nesses tempos sombrios, não é politicamente correto incomodar pessoas em situação de rua mostrando a presença e a vigilância do Estado. Será?

 

A frase que foi pronunciada:
“A população que não pode andar tranquilamente nas ruas é a mesma que paga altos impostos para que os necessitados possam ter atendimento digno em educação e saúde. Mas eles não têm.”

Dona Dita

 

História de Brasília

A Novacap está limpando a Superquadra 306, para urbanizá-la o quanto antes. A seguir, o trabalho se estenderá à 305, desde que o IAPI entregue a área livre de construções. (Publicada em 27/4/1962)

Hordas infernizam as madrugadas da Asa Norte

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Imagens que circulam nas redes sociais vêm despertando indignação geral, pois mostram hordas de moradores de rua perambulando nas madrugadas pela Asa Norte, cometendo todo o tipo de vandalismo e crimes. As imagens foram captadas por diversos moradores locais e em ângulos diferentes. Escondidos detrás de cortinas e persianas, apavorados com o que documentavam, os brasilienses residentes em muitas áreas desse bairro assistem a tudo, com um misto de terror e desamparo.

São dezenas desses catadores de papéis e outros mendigos que se juntam e saem pelas ruas revirando lixeiras, quebrando e danificando placas e postes de iluminação, invadindo casas e roubando o que encontram do lado de fora nas varandas. Tudo é pilhado, desde vasos de plantas, containers, carros e tudo o mais que encontram pela frente.

Essas arruaças perigosas são sempre impulsionadas por um grande consumo de drogas e bebidas, tornando esses bandos ainda mais perigosos. O que espanta é que, nesses casos e por repetidas vezes, os moradores acionam a polícia, que raramente é vista para conter esses desocupados. Não é de hoje que se sabe que boa parte do dinheiro arrecadado com a coleta de papéis e outros produtos, assim como o que é amealhado com esmolas, é gasto na compra de drogas e bebidas.

Muitos desses moradores de rua também conseguem alguns trocados com a venda de drogas, principalmente o crack. A situação, como mostram as imagens, saiu de controle. Ao que os cidadãos assistem agora, na forma de um imenso problema social, é a formação embrionária das cracolândias, que migraram de outras partes da cidade para a Asa Norte e parte da Asa Sul.

Quando a madrugada chega, muitos moradores sabem que o pesadelo recomeçará. Ninguém, nesse momento, se atreve a sair de casa. Naquelas quadras situadas acima do Eixão, a situação é fora de controle. O prejuízo para moradores e comerciantes é sempre grande e constante. As ruas de nossa cidade, outrora tranquilas como cidades do interior, de uns anos para cá, se transformaram em verdadeiros cenários de guerra. As polícias militar e civil parecem que não estão dando conta do recado, tamanha é a quantidade de chamadas pedindo socorro.

Nessas regiões, o que impera é o medo dos cidadãos que pagam impostos para serem usados em educação, saúde e segurança. Mas não é o que veem. Não bastasse as áreas verdes terem se transformado em locais de acampamento, agora toda a cidade vai se rendendo a um fenômeno que mistura problema social severo com criminalidade incontrolável e crescente.

O governo, ao qual a cidade e a segurança de seus habitantes são confiadas, precisa, o mais urgente possível, vir a público e apresentar um plano de segurança efetivo que ponha fim a essas ondas de banditismo. Ou se faz algo agora, ou a situação ganhará escala para um processo de guerrilha urbana, onde o “salve-se quem puder” será voz corrente.

 

A frase que foi pronunciada:
“Nós, o povo, não compreendemos nossos representantes.”
Entrelinhas do preâmbulo da Constituição brasileira

Charge: humorpolitico.com.br

 

Aparências
Tocado pela situação do lavador de carros que trabalhava mesmo tendo deficiência, o morador da 213 Norte resolveu atender ao pedido. Comprou uma boa cadeira de rodas para o rapaz. Passados alguns meses, percebeu que o homem não lavava mais carros por ali. Perguntou ao porteiro que respondeu com um sorriso nos lábios: “Ele vendeu a cadeira que o senhor deu e sumiu daqui”. Meses depois, o destino colocou os dois cara a cara. O doador da cadeira, revoltado com o golpe, falou sem titubear: “Mas você usou a única perna que tem para passar em mim!”

 

Conquista
Um aumento de mais de 50% nas candidaturas de pessoas negras para prefeituras e câmaras municipais. A Justiça Eleitoral afirma que é apenas a segunda vez na história que isso acontece.

Foto: tse.jus

 

Consume dor
O deputado Jorge Viana, da Câmara Legislativa do DF, está no grupo que vai sair pela cidade para defender os absurdos praticados contra os consumidores. Um deles é desembolsar R$ 15,00 por uma garrafinha de água mineral, valor cobrado no aeroporto de Brasília. A solução vai ser instalar bebedouros, tanto no saguão de embarque quanto no desembarque.

Píer Sul do Aeroporto Internacional de Brasília. Foto:

 

História de Brasília
O assunto veio à baila, mesmo quando o deputado Ademar Costa Carvalho resolveu contar tudo ao prefeito Sette Câmara, e inúmeras acusações foram feitas à administração Laranja Filho. (Publicada em 18/4/1962)